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Tempestade imperfeita

Portugueses bacteriologicamente impuros

Tempestade imperfeita

Escreve quem sabe

2021-03-16 às 06h00

Vítor Esperança Vítor Esperança

A economia capitalista pode ser compreendida, muito grosseiramente, como o modelo onde as transações comerciais acontecem entre o mercado da oferta de bens, produtos e serviços, e o mercado da procura daqueles quando se usam, consomem ou se guardam. O seu sucesso depende do equilíbrio possível entre esses dois mercados.
A economia funciona melhor em tempos de estabilidade. As crises económicas aparecem normalmente associadas a situações conturbação social originada por guerras, catástrofes naturais, revoluções internas, ou em situações de governança que coloquem em causa a estabilidade social e o modelo de criação de riqueza.
A guerra e as catástrofes naturais trazem associado a destruição dos fatores de produção, das infraestrutura e consequentemente do emprego e do consumo privado. Ultrapassados esses períodos, surgem o período das oportunidades que reconstrução permite a modernização exige, regressando-se à economia pela dinamizando o seu crescimento. Isto exige dinheiro disponível. Injeta-se dinheiro para alavancar a economia para gerar riqueza e emprego e com isso o aumento do consumo. Nem sempre resulta. Aqui levantam-se os fantasmas da inflação, das más escolhas setoriais e da oportunidade dada à má governança refletidas na corrupção.
A Pandemia tem impactos económicos e financeiros semelhantes às guerras e catástrofes, mas não destrói fisicamente os fatores de produção, infraestruturas. Atinge mais diretamente o mercado da procura reduzindo acentuadamente o consumo. Nada foi destruído. Tudo parece manter o seu valor. Fica porém o vazio da ausência de transações que asfixia a economia como um todo, numa tempestade imperfeita.
Poderá pensar-se que, depois de se “hibernar a economia”, logo surgirão as oportunidades para o regresso ao “novo normal”, voltando ao ritmo de produção de riqueza. Não será assim. A economia é feita de milhões de intervenientes, numa complexa malha celular que interagem a cada segundo. Cada célula tem uma estrutura e uma capacidade diferente, que torna umas mais resistentes do que outras. Há muitas em que a curta paragem no tempo lhes provoca a morte. Os mais pequenos, mais frágeis, menos dotados para a resiliência financeira não aguentam.
O maior problema está assim na estrutura económica de cada país. Quem, como Portugal, assenta a sua economia em micro e pequenas empresas, com fracos investimentos de capital, com atividades que empregam muita gente a baixos salários, a exemplo do comércio, turismo, restauração e cultura, o problema é maior. O sustento deste tipo de empresas está suportado numa dinâmica contínua da atividade, onde o tempo de atividade conta. Aqui a produtividade mede-se por esforço no tempo, e menos por acréscimo de valor que a inovação ou o avanço tecnológico permitem. As suas margens não lhe permitem o aforro para a imprevisibilidade. Tudo isto se complica quando à falta de capacidade se juntam as fragilidades financeiras dos consumidores. A mitigação dos prejuízos conseguida pelo consumo à distância não serve a todas. O consumo desaparece silenciosamente qual tempestade imperfeita.
O sistema capitalista assenta muita a sua dinâmica na expetativas do futuro, no que irá acontecer. Gasta-se agora porque se acredita poder vir a pagar mais facilmente amanhã. A dinâmica do crescimento contínuo incorpora esta potencialidade. Joga-se a riqueza que se tem (quem a tem, claro), pela oportunidade que o tempo dá á economia para reproduzir riqueza, numa cadeia que deve estar financeiramente distribuída. Esta cadeia financeira foi fortemente abalada pela Pandemia.
Será que voltaremos a fazer o mesmo na retoma?
A Pandemia acelerou novas dinâmicas no modelo económico vigente, onde a inovação dos serviços é uma obrigação, o aproveitamento das tecnologias de informação uma necessidade, e a aposta na formação, na investigação científica e tecnológica a alternativa recomendável.
Fortaleceu-se a mudança que vínhamos assistindo no paradigma no consumo de massas; as compras on-line. A necessidade de mobilidade foi substancialmente diminuída pela digitalização das reuniões à distância e pela confirmação que muito do trabalho administrativo e intelectual pode ser feito independentemente do local de trabalho.
O serviço ao domicílio veio para ficar. Há uma nova economia. Nem todos conseguirão regressar ao normal. Para muitos, a oferta de novos mercados diminui-lhes as possibilidades de crescimento, afetando muito o emprego de baixa capacidade técnica.
Como responde o Estado a isto?
O PRR (Plano de Recuperação e Resiliência) parece-me que vai no sentido contrário. Nada aprendemos com as experiências do passado. Voltamos ao passado que nos endividou, à aposta nos gastos estruturais do Estado, apesar da ardilosa promessa que o dinheiro irá indiretamente para as empresas privadas através dos serviços que prestarão ao Estado. Mais do mesmo e para os mesmos.
Portugal precisa de apoios a novos empreendedores numa economia digital. Precisa de apostar na formação fora dos padrões de ensino de décadas. Precisa de oportunidade de emprego aos jovens, sobretudo aos melhores formados que acabam por emigrar. Precisa de redirecionar a aposta da produção para a inovação técnica, o que só se consegue com apoios claros à investigação e desenvolvimento que envolva empresas, investigadores e centros do saber especializado.
Pouco ou nada disso vi no PRR. A resiliência é o foco, mas nem tudo o que se deforma regressa ao normal.

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