Correio do Minho

Braga, terça-feira

- +

Tenho um doido a viver no meu sotão

A responsabilidade de todos

Conta o Leitor

2019-07-17 às 06h00

Escritor Escritor

Manuel C. Correia

Uma brisa suave passou no meu rosto, e uma voz soou nos meus ouvidos! O vento que sopra leve, são caricias dos Deuses, são as mãos das mães que jazem e suas almas são levadas nas asas do vento suave, que nos trazem sensações de perfeita leveza. Como se nós próprios fosse-mos capazes de voar!
Num desses dias de vento suave, a minha paisagem era o longínquo horizonte do mar. O meu olhar era um profundo vazio, mas ao mesmo tempo um repleto sentimento de grandeza. O sol perdia-se nas águas calmas, como se fosse engolido lentamente pelo bicho mar. Fiquei imóvel numa perfeita harmonia entre a natureza e o meu corpo, sentindo uma limpeza da alma.

De volta a casa, trago comigo o cheiro a mar entranhado nas roupas, nas narinas. Um duche vem sempre numa boa hora. A semana de trabalho é compensada pelo fim-de-semana, mas eu gosto é de sossego.
Raramente me entreguei a confusões, fui sempre um bom rapaz, claro que sempre gostei de uns copos, uma boa conversa sobre vários, temas de homens: futebol e mulheres são os que mais adeptos têm o universo masculino, eu gostava desses e de ciência, principalmente astrologia, adoro o profundo cosmos. Numa dessas noites de regresso a casa, aonde vivia só, na casa que herdei dos meus pais, numa zona rural e de perfeita pacatez. Estava cansado, era sábado, sentei-me no sofá a ver um pouco de televisão, um filme erótico. O elenco era bom! Mas estes filmes são uma treta, elas sentam-se em cima deles como se o atributo deles estivesse na barriga, contudo a imaginação do telespectador faz o resto e o clima fica aceso. Até pensei na minha namorada, como era bom ela estar ali comigo!

O improvável aconteceu! Um som surgiu na direcção do sótão, fiquei em sobressaltos, seria um gato, um ladrão? Peguei numa faca a maior e mais afiada, de foco na outra mão, subi até ao sótão, e, o meu espanto quando me deparo com um tipo da mesma idade que eu, sentado num sofá, o sótão era uma casa mobilada tal e qual a minha! Isto é o sótão também era meu. Olhei fixamente para ele e quando ia para lhe perguntar o que fazia ali, ele antecipou-se e disse:
- Vais ficar ai a olhar para o naval ó morcão, ou vais ligar à tua namorada, para vir ter contigo?

Mas que raio é isto, pensei, este tipo vive no meu sótão sem eu saber e agora até já lê os meus pensamentos e tem o descaramento de me chamar morcão! E continuou a falar, a dizer que tinha que ter mais iniciativa, que se amava a namorada tinha que o demonstrar, as mulheres gostam que os homens estejam a repetir o quanto gostam delas. Não parava de falar, mesmo depois de descer do sótão a voz continuava a zumbir nos meus ouvidos, mas que chatice! Estaria louco? Não, louco nem pensar. Voltei ao sótão, e, não vi vestígios de doido, era apenas o velho sótão cheio de arrumações, de teias de aranhas. Agora é que eu pensei que estava louco. Voltei para a sala e sentei-me no sofá a ver televisão. Agora passava um filme de amor, a ternura do beijo, o respirar ofegante e lá estava eu a pensar na minha namorada. E no outro sofá mesmo ao meu lado lá estava aquele tipo com a cabeça abanar, como a dizer: mas que morcão.

A discussão foi acesa de tal forma que me atirei a ele, dei-lhe tantos murros que quando acabei tinha o sofá desfeito e nem sinal do tipo! Estava definitivamente louco, as vozes não paravam de dizer: liga para ela, convida para dormir contigo, não sejas morcão. Acabei por cair no sofá e adormeci por breves minutos, o suficiente para me esquecer daquele tipo. Isto é a voz tinha desaparecido, mas as palavras continuavam a ser repetidas na minha cabeça como dois martelos a bater no mesmo ferro contra a bigorna. A imagem que se fazia desse ferro forjado era a imagem da minha amada, o beijo, as caricias suaves como o vento que nos abraça, dois corpos numa cama unidos num só.

O meu primeiro impulso foi pegar no telemóvel e procurar o número dela, depois a indecisão da hora tardia. Não posso, tenho que resistir, amanhã também é dia, vou dormir e esta vontade passa. Durante cinco minutos mantive o dedo na tecla para ligar, e, acabei por me levantar e ir para a cama. Não cheguei ao quarto sem a voz me dizer: continuas a ser burro, ela ia gostar do teu convite. Entrei no meu quarto ao som da voz vinda do meu sótão, peguei no telemóvel e liguei para a minha amada, fechei os olhos e do outro lado ouvi:
-olá amor, tudo bem?
-sim está tudo bem, lembrei-me de te ligar, estou com saudades.
-eu também, de tal forma que também estava mesmo para te ligar, mas tinha receio que já estivesses a dormir.
- Sei que já é tarde, mas o que eu queria era mesmo ter-te aqui ao pé de mim.
-eu estou só, posso ir dormir contigo, eu quero dormir contigo.
-vem meu amor.

Afinal estava mesmo a ser morcão. Chamei pelo tipo do meu sótão, mas não me respondeu, devia estar a dormir, ou não tinha mais tarefas para fazer, por enquanto.
A noite foi de vento suave, com a voz doce da minha amada a sussurrar nos meus ouvidos: amo-te. Eu também te amo. Respondi com o maior sorriso do mundo.

Deixa o teu comentário

Últimas Conta o Leitor

21 Agosto 2022

O tio Pepe tem 50 anos

Usamos cookies para melhorar a experiência de navegação no nosso website. Ao continuar está a aceitar a política de cookies.

Registe-se ou faça login Seta perfil

Com a sessão iniciada poderá fazer download do jornal e poderá escolher a frequência com que recebe a nossa newsletter.




A 1ª página é sua personalize-a Seta menu

Escolha as categorias que farão parte da sua página inicial.

Continuará a ver as manchetes com maior destaque.

Bem-vindo ao Correio do Minho
Permita anúncios no nosso website

Parece que está a utilizar um bloqueador de anúncios.
Utilizamos a publicidade para ajudar a financiar o nosso website.

Permitir anúncios na Antena Minho