Um batizado especial
Ideias
2018-12-22 às 06h00
Escrevo estas linhas no dia dos coletes amarelos “à la portuguaise”. Uma espécie de versão lusitana, com “copyright”, da onda de protestos que se gerou (e mantem) em França. A mimetização deste tipo de manifestação, com a mesma “marca”, já ocorreu noutros países, como a Bélgica. Para o bem e para o mal (mais para o bem, neste caso), uma cópia nunca é propriamente o mesmo que o respetivo original. Aqui, como na Bélgica, as manifestações acabaram por ser ordeiras, pacíficas, tirando um ou outro incidente….E isto, apesar de o dia ainda ir a meio e não saber, em rigor, como acabará. Portanto, limito-me, agora, a fazer uma projeção que o Leitor avaliará, quando ler este texto, se correspondeu àquilo que realmente se passou, ou não.
Mas, descontando eventuais pormenores de facto, interessa alinhavar algumas reflexões. É relevante, na minha perspetiva, compreender qual o objetivo da manifestação/protesto. Que reivindicações estão na mente dos manifestantes? Ora, pude ler e ouvir na imprensa coisas tão díspares e difusas como, por exemplo, aumento do salário mínimo para 700 Euros, abolição dos impostos sobre os combustíveis, fim das portagens nas Scut’s, reforma dos políticos aos 66 anos (?!), respeito “pelos nossos direitos” (quais?). Também ouvi alguém ligado à implementação do protesto reclamar um milhão de pessoas na rua. Até agora, tal apelo não teve consequência, chegando, mesmo, em Viana, durante a manhã, a juntarem-se 13 manifestantes acompanhados por outros tantos (13) polícias. Mas se não conseguimos descortinar um objetivo de luta concreto e consequente, isso significa, então, que a reclamação vale por si mesma. O objetivo foi apenas (e já não é pouco) protestar. Exercer o direito à indignação, embora esta seja apenas geral e abstrata, uma vez que todos temos (e cada um dos manifestantes também) as suas próprias e específicas indignações. Foi uma confederação de indignações, em forma tentada de protesto massivo, que saiu à rua. E será curioso notar – como foi assinalado por um repórter televisivo – que algumas das “caras” eram recorrentes de outras manifestações. Ou seja, os protestos de rua foram protagonizados, em parte, por manifestantes “profissionais”.
Creio que assistimos, em quadra natalícia, a uma espécie de forma inédita e ruidosa de formulação de pedidos ao Pai Natal e de queixas contra os “meninos maus” (invariavelmente os políticos, “eles”, os “outros” que se contrapõem, também difusa e imprecisamente, a “nós”, os bons, o povo!). Mas temos que tomar a sério este ensaio, esta expressão – ainda muito pouco popular (pareceu-me) – de manifestação “à la française”.
Os europeus gostam de viver confortável e “habitualmente”. Atribui-se a Unamuno a ideia de que o tédio é o fundo da vida (“quase todos os homens vivem inconscientemente no tédio”). A prosperidade global da sociedade técnica contemporânea, independentemente das notórias desigualdades redistributivas existentes, intensificou uma componente de individualismo e mesmo de hedonismo pós-moderno, na nossa vida quotidiana. Sempre que essa esfera de “habitualidade” confortável é beliscada, naturalmente, reagimos – ainda que de forma pouco linear e incoerente. Não há ideologias, nem causas coletivas, (eventualmente) patrióticas, como no passado; há a defesa intransigente do nosso bem – estar. Cresce aquilo que entendemos serem os nossos direitos fundamentais. O mundo digital e a digitalização do mundo permitem a comunicação e a partilha instantânea deste estado de espírito: proporcionam um rastilho rápido e crescente das explosões de indignação. Temos que entender isto como uma característica dos tempos que vivemos. E agir contra os riscos deste tipo de manifestações ditas inorgânicas: o populismo que as alimenta e que poderá ser imparável e contagiante, se não compreendermos realmente os tempos que correm.
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