A armadilha da gratuidade universal
Ideias
2023-06-18 às 06h00
Está mais do que demonstrado que as pessoas mudam o modo como se deslocam na cidade se esta oferecer infraestruturas para o efeito. As pessoas utilizam o modo de transporte que é mais convidativo para a sua rotina diária. A mobilidade induz-se.
Quando existirem infraestruturas seguras, ciclovias, ruas com velocidades reduzidas, ficou demonstrado que 68% dos bracarenses poderão passar a utilizar a bicicleta por vontade própria. E 65% dos Portugueses dizem o mesmo: só utilizamos a bicicleta se a cidade nos garantir, infraestruturalmente, que é seguro. Para quem acha isto mirabolante e para os membros do Executivo Municipal fica o desafio: uma volta de bicicleta pela cidade comigo. O percurso é simples, saímos da Estação da CP e subimos a Rua do Caires. passamos pela Avenida Imaculada Conceição, Avenida João XXI, Avenida João Paulo II, Rotunda das Piscinas, Avenida Padre Júlio Fragata, Avenida Frei Bartolomeu dos Mártires, Avenida Robert Smith, Avenida 31 de Janeiro, Rua do Raio, Avenida da Liberdade e regressamos pela Avenida Imaculada Conceição e Rua do Caires. Sempre pela estrada, como mandam as regras, mas sem escolta policial.
A partir daí facilmente dirão que a cidade não reúne condições de segurança para andar de bicicleta, que nunca deixariam um filho ir de bicicleta. Porque, efetivamente, andar de bicicleta em Braga é correr riscos. E então as pessoas optam pelo carro, porque têm medo. Algumas pessoas arriscam.
Relativamente ao transporte público, ele anda no meio do congestionamento dos carros, porque não há corredores bus. Não se garante que o transporte público chegará a tempo e horas ao trabalho, ou ao destino da deslocação. Ou se tem muito tempo e se vai num autocarro muito mais cedo, ou é quase como jogar uma raspadinha e ter sorte de sair prémio e chegar no tempo que devia. Pode-se até colocar o transporte público “gratuito” para toda a gente, mas enquanto ele não for fiável e regular em termos de tempo de percurso, não atrai as pessoas que têm que fazer aquelas deslocações.
Se investirmos pelo menos 5% do orçamento municipal, durante 12 anos, na reorganização da infraestrutura teremos uma cultura de mobilidade sustentável.
Ao longo dos últimos 10 anos, a Câmara Municipal de Braga investiu apenas 0,82% do orçamento na infraestrutura para a Mobilidade Sustentável. Isto diz muito da prioridade da Mobilidade para este Executivo Municipal.
A cidade precisa de, urgentemente, iniciar uma transformação no seu espaço público, para recuperar o tempo perdido relativamente às cidades europeias. As cidades Holandesas e Dinamarquesas estão a fazer isso há 50 anos, as Francesas há 30, as Espanholas há 20. As crises agudizam-se, e a resposta à crise tem que ser mais séria, mais rápida, mais efetiva. Não se pode investir apenas 0,82% em 10 anos e vir dizer que a culpa é do passado. Nem isto é fazer as coisas faseadamente nem paulatinamente. Não se investe na mobilidade em bicicleta com esta baixa percentagem de investimento. Pode até fazer-se paulatinamente, faseadamente, mas é preciso uma visão, um compromisso, um projeto de cidade, perceber quais são as fases e quais são os critérios para a reformulação das Avenidas.
Não se pode fazer ciclovias-cogumelo, que nascem no meio das avenidas sem ligar nada a nada, como no Fojo ou na António Mariz. A própria ciclovia da Avenida da Liberdade vai ligar a Zona de Coexistência do Centro Histórico à Ponte São João, mas não estará ligada à Via Pedonal e Ciclável do Rio Este. Para além de que a ligação Este-Oeste utilizada para as deslocações urbanas é a Rodovia, que é duas vezes mais rápida do que a ligação de lazer ao longo do Rio. A ciclovia do Fojo não é pintada, a Av. Dr. António Palha só não é pintada nas interseções, a de Lamaçães é toda pintada. As separações de vias ora são em mecos de borracha, ora em tatus ao nível do chão. Faltam, efetivamente, critérios que standardizem a construção de ciclovias em Braga. E os standards são fundamentais em Engenharia Urbana.
Portanto, se o critério para a reformulação das vias é ter melhores passeios, ciclovias dedicadas e vias bus dedicadas, criando um efeito de rede, não se entende como é que na Avenida da Liberdade não há vias bus, e na Rodovia dizem que não vai haver ciclovias - mesmo havendo projeto com ciclovias e vias bus na Rodovia. E não se percebe como resolvem o cruzamento destes dois eixos, acabam com o túnel e resolvem tudo numa nova centralidade à superfície, comme il faut?
Falta uma visão, um plano de ação e critérios de implementação. Falta visão, ação e humildade suficiente para se envolver todos, sem intenções distorcidas. Falta sentido de estado, serviço público e respeito pelas pessoas. Melhorar as condições para quem anda a pé, de bicicleta e de transporte público não tem sido uma prioridade dos últimos executivos.
Antes de dedicar tempo a algumas mudanças comportamentais, é preciso reorganizar a infraestrutura e criar as condições para essas alterações.
A infraestrutura é condição necessária para a mudança de comportamentos.
A mobilidade induz-se.
19 Fevereiro 2025
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