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Escreve quem sabe

2023-01-08 às 06h00

José Manuel Cruz José Manuel Cruz

Brinca-se em França com o nome do país. Brincadeira amarga, simbólica desforra pelo muito que não bate certo em terra que se desqualifica a olhos vistos. França – France – advém suFrance – sofrimento e, se nos interrogarmos de razões, então ele é cantos, linha e bingo. Sofrimento, pelo aumento da energia, pelo que os vencimentos se apartam, já não do que garanta uma folga e um extra, mas do que é imprescindível; sofrimento, pelo descalabro na Saúde, na Justiça, na Educação, e isto para não pegar no cavalo de batalha que é a alteração da idade de reforma, campo em que Macron e o governo por inteiro patinam, não colhendo aceitação pública nem endosso parlamentar.
Arca, Macron, com aselhices próprias e com erros em excelente estado de conservação de presidências alheias. Dos últimos dias respigo greves médicas e debandadas de pessoal clínico, que na Bélgica, Luxem- burgo e Suíça encontra alargado conforto, e o pânico na indústria do pão, com facturas de energia multiplicadas por 4, 6, 10 – diria que à vontade do freguês, se a expressão aqui não fosse completamente descabida, porque outro seja quem corte e risque.

Com médicos convencionados de cuidados primários a exigirem aumentos de 100% na tarifa de consulta (de 25€ para 50€), com dificuldades na composição de escalas, com urgências em pane, anuncia Macron pomposa gratuitidade de preservativos para lúbrica recreação da faixa 18 – 25 anos. Enche o homem dias com decisão caricatural e, pela sanidade mental de todos, quero crer que nem ele se levasse a sério. Correm nos ecrãs os primeiros alertas em choque pelos aumentos da electricidade, e umas migalhas de nem de metade de sobrecusto são anunciadas para as padarias, certo sendo que jamais a margem de lucro acomodaria o acréscimo. Não digo que das catacumbas se levantou o espectro de 1789, mas sempre houve um Luís e uma Antonieta que se viram sem cabeça à conta de falta de pão.
Parariam as padarias, como já param indústrias altamente consumidoras de energia. Irão querer as mesmas ajudas quem faz uso de frio, a restauração… E atrás de uns vêm outros, de modo que, ou a guerra acaba e volta tudo à primeira forma, ou temos o caos à porta, que não há contas públicas que o acomodem.

O drama, mesmo, é que não volta tudo à primeira forma. Leva uma semana a entrevista de Hollande ao Kyiv Independent, e um mês a entrevista de Merkl ao Die Zeit. Que dizem ambos? Que os acordos de Minsk foram um logro, um ganhar de tempo para uma reestruturação do exército ucraniano. Nós podemos achar bem. Nós podemos achar que na política vale tudo. Nós até podemos achar que os nossos pecados são sempre virtuosos, e que vícios condenáveis sejam os bem-fazeres de quem abominamos, mas o mundo não se alinha sempre, e inteiramente, para nosso serviço.
Pagam franceses e alemães, pagamos todos, a temeridade do convite de Vilnius de 2013, o incitamento da Ucrânia a uma pré-adesão à EU, e esse escárnio explícito da Rússia. Não há só catástrofes naturais, como vemos. E bem piores, e persistentes, podem mostrar-se as de génese humana.

Costa, o nosso, não é santo, mas não o tenho por demónio de igual talhe. Costa é só inábil e não dá para mais. Então atravessa-se por uma secretária-de-estado que horas depois descarta, validando uma percepção pública que só não teria, de base, por se marimbar para tudo o que não seja o seu umbigo!? Tristes vamos nós se não temos matéria-prima para mais, se prescindimos de exigir mais, se nos resignamos à nulidade invasiva. A menos que outro trocadilho nos conforte em pequenez crónica, endémica. Ora, assim sendo: viva Mortugal.

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