Correio do Minho

Braga,

- +

Trump 2.0 - amigo dos inimigos, obstáculo dos aliados

Os perigos do consumo impulsivo na compra de um automóvel

Banner publicidade
Trump 2.0  - amigo dos inimigos, obstáculo dos aliados

Ideias

2025-01-09 às 06h00

Bruno Gonçalves Bruno Gonçalves

No rescaldo da sua derrota pesada nas Eleições Presidenciais de 2020 e do ataque ao Capitólio - a insurreição popular que tentou bloquear o processo democrático de certificação dos votos e impedir uma transição pacífica do poder - cresceu a esperança que o primeiro mandato de Donald Trump teria sido apenas uma anomalia. Hoje já sabemos que, infelizmente, não foi o caso.
Seja ou não consequência direta de uma estratégia displicente do Partido Democrata para as eleições americanas de 2024, a verdade é que Trump conseguiu regressar ao cargo de Presidente dos EUA com estrondo e propriedade. Venceu o voto popular (com uma vantagem superior a 2 milhões) e o colégio eleitoral de forma inequívoca, assegurando ainda a predominância dos Republicanos nas principais instituições dos Estados Unidos. Que, além da Câmara dos Representantes, do Senado e da Presidência, dispõem também de uma maioria decisiva no Supremo Tribunal.
Ainda que a tomada de posse ocorra apenas no dia 20 de janeiro, as movimentações do próximo Presidente e do seu núcleo duro permitem prever um mandato mais agressivo e polarizador. Não será uma mera parte 2, continuando o caminho de 2016 - 2020, mas sim uma versão aditivada. Trump 2.0, MAGA em esteroides.
Mais bruta, porque tem apenas um horizonte de quatro anos para concretizar as mudanças que prometeu. Mais polida, agora que conhece os meandros do poder em Washington. Mais musculada, face ao alargamento da sua base de apoio, em particular junto das elites tecnológicas, e uma maioria total nas instituições políticas. Perfil que ficou patente nas recentes declarações de tom imperialista, onde Trump trocou as tendências isolacionistas por uma preferência expansionista.
Após sugerir a integração do Canadá como 51.º estado dos EUA, admitindo o uso de coerção económica para tal, Donald Trump assumiu a vontade de controlar a Gronelândia (que, no passado, já tinha sugerido comprar à Dinamarca) e o canal do Panamá. Argumentou a importância destes territórios para a “segurança nacional” americana e, para choque geral, não foi sequer capaz de excluir o uso de força militar (!).
Trump não quer liderar; quer mandar no Mundo. Trata-se de uma inversão trágica na história da política externa americana, descartando o respeito pela auto-determinação em prol da lei do mais forte. É uma aproximação infeliz e perigosa aos maneirismos de líderes autoritários, servindo igualmente de importante alerta para todos na Europa: por mais que custe admitir, com esta administração americana não há legado da aliança transatlântica que nos valha.
Para reforçar tal conclusão basta acompanhar o comportamento de Elon Musk, o homem mais rico do Mundo e aliado precioso de Trump. Musk chegou a ser próximo do Partido Democrata, mas transformou-se numa figura de proa do movimento MAGA, em particular desde que adquiriu a rede social “X” - transformada num espaço que oscila entre um faroeste digital e um megafone para os pensamentos intrusivos do multimilionário.
Musk não gosta das regras europeias para plataformas digitais, em particular de combate à disseminação de notícias falsas, porque ferem o seu modelo de negócio e não por qualquer (fictícia) limitação à liberdade individual. Começou por trocar picardias com Comissários europeus devido ao incumprimento das leis, mas, entretanto, elevou a retórica para um nível totalmente boçal e, num curto espaço de tempo, diferiu ataques a múltiplos líderes europeus.
Insultou o atual Chanceler alemão e apelou ao voto no “Alternativa para a Alemanha”, um partido tão radical que foi expulso do grupo europeu de Marine Le Pen. Apelou à libertação de um extremista britânico que está preso (até Nigel Farage recusou a alinhar nessa campanha, tornando-se imediatamente num alvo de Musk) e espalhou informação deturpada sobre a conivência do Governo com casos de violência sexual. Arrogou-se ainda de lançar uma sondagem no “X” sobre se «os EUA deveriam libertar o Reino Unido do seu governo tirânico».
Não se trata de um qualquer apoiante do Partido Republicano. Musk junta poder económico e poder político: é um verdadeiro braço-direito de Trump, com responsabilidades políticas no futuro governo dos EUA e que participou na conversa entre o próximo Presidente e Volodymyr Zelensky. Precisamente por isso, a sua postura hostil e o apoio explícito à extrema-direita pelo Mundo fora não podem ser relativizados.
Face às circunstâncias, importa estabelecer o mais óbvio. Com uma administração americana imprevisível e que se comporta abertamente como “bully” face aos seus aliados tradicionais, não é possível pensar a geopolítica como nas últimas décadas. Parece cada vez mais claro que, às exigências de Trump (ou Musk) que a União Europeia tentar corresponder, outras tantas vão surgir, sucessivamente, até que a relação entre as duas partes seja flagrantemente enviesada.
Exemplos? Podemos referir a meta de 2% em investimento público com defesa nacional para todos os membros da NATO, um patamar realista e acordado entre todos, mas que Trump defende agora subir para 5% (ou seja, um aumento repentino de 250% na despesa militar). Ou lembrar a ameaça de novas tarifas alfandegárias, que se multiplicam de forma arbitrária e independentemente da Europa tentar corresponder aos seus pedidos anteriores. Hoje exige um aumento brutal das exportações energéticas para a UE, amanhã quem sabe...
Entre 2016 e 2020, fruto da fé numa anomalia temporária, vingou a prudência e a tentativa de mitigar os quatro anos de uma Presidência turbulenta e errática, na expectativa que o futuro viesse a restabelecer o velho Mundo do pós-Guerra. Não foi assim: a vaga de populismo de extrema-direita consolidou-se como um fator estrutural das democracias ocidentais, tendo o seu expoente máximo na Casa Branca.
Já sabemos que, para este segundo mandato, desapareceu o pouco pudor que alguma vez existiu no seio do movimento MAGA. Ao ponto de Trump assumir simpatia pessoal por argumentos usados pelo Kremlin para justificar a invasão de territórios vizinhos, colocando seriamente em dúvida o compromisso dos EUA em apoiar as defesas da Ucrânia.
Acredito que a União Europeia não deve (nem pode) adotar uma postura adversária dos EUA, mas sim mediar e suavizar as tensões com Trump enquanto aprendemos a ser mais autónomos e a assumir as rédeas do nosso futuro sem a guarida do escudo americano. Por mais que a nova realidade nos custe aceitar, é sempre preferível encará-la com pragmatismo do que ser surpreendido.

Deixa o teu comentário

Últimas Ideias

15 Junho 2025

Onde está o coração?

Usamos cookies para melhorar a experiência de navegação no nosso website. Ao continuar está a aceitar a política de cookies.

Registe-se ou faça login Seta perfil

Com a sessão iniciada poderá fazer download do jornal e poderá escolher a frequência com que recebe a nossa newsletter.




A 1ª página é sua personalize-a Seta menu

Escolha as categorias que farão parte da sua página inicial.

Continuará a ver as manchetes com maior destaque.

Bem-vindo ao Correio do Minho
Permita anúncios no nosso website

Parece que está a utilizar um bloqueador de anúncios.
Utilizamos a publicidade para ajudar a financiar o nosso website.

Permitir anúncios na Antena Minho