Assim vai a política em Portugal
Ideias
2022-12-05 às 06h00
Que furtar não é ocupação recente, sabemo-lo todos muito bem. Veja-se a nossa cidade quando, esporadicamente, aparece um triste larápio a surripiar alguma garagem, com o auxílio do seu amigo e ilustre pé-de-cabra. Ou então, recorde-se o nosso Caeiro, quando ansiava ter roubado o passado e tê-lo escondido nas funduras da algibeira. No contexto do retalho, infelizmente, existem profissionais para a mesma arte, quer sejam ladrões de bolso, do lado do consumidor, ou verdadeiros mágicos de cartola acetinada, do lado do vendedor ou produtor. Tenho lido, escutado e até constatado, através da interação com diversos intervenientes do negócio retalhista, que a mesma façanha está a ser perpetrada mais amiúde. Na atualidade, nomeadamente na classe consumidora, noticiam-se furtos em produtos imprescindíveis, tais como uma lata de atum e azeite, mas também se enaltecem as soluções encontradas para a sua minimização, tais como o acoplamento de dispositivos de alarme nos referidos produtos.
É triste, mas na semana passada, durante o último turno de caixa num supermercado, a simpática colaboradora perguntou-me se tinha contado os ovos da embalagem que procurava levar para casa. Respondi-lhe naturalmente que não, tentando perceber o motivo da sua pergunta. Alertou-me para o facto de que certos produtos básicos estariam, muito misteriosamente, a esvanecer do inventário da loja. Apresentou-me o caso do ovo, salientando que as embalagens nem sempre estariam completas. Fiquei boquiaberto - “Como é possível chegarmos ao ponto de se furtarem ovos?”.
Há uns anos, numa discussão sobre prevenção de quebra de uma importante organização em Inglaterra, um colega de trabalho descrevia-me alguns truques de magia por ali executados. Tomei conhecimento de que certos roubos estariam, eventualmente, a ser realizados com a complacência dos colaboradores responsáveis pelo terminal de pagamento ou, não raras vezes, pelos agentes de segurança. Nunca percebi as razões daquele comportamento, mas sempre imaginei que estariam relacionadas com a eventual fome ou pobreza. Naquela organização, ao contrário do que se poderia inicialmente imaginar, o furto considerado interno estaria a causar mais perdas do que o furto estritamente externo, daí que tivesse surgido a necessidade de se colocar ainda mais câmaras de videovigilância suscetíveis de captar certas movimentações de alguns funcionários. Para a respetiva organização, recordo-me que a margem era sempre tema central. Nada de novo. Por reduzido que fosse o impacto do desaparecimento de uma simples lata de atum de uma libra, eventualmente se a mesma acontecesse ao longo de 365 dias, a organização perderia 365 libras num só produto. Reduziria, dessa forma, a sua almejada margem e, consequentemente, o lucro global. Daí que houvesse uma grande preocupação no tema e se procurassem mecanismos para identificação e minimização de eventuais lacunas de segurança.
O caso do furto dos ovos levou-me a pensar não só na forma como as organizações e os consumidores tomam decisões, mas também em temas relacionados com dilemas éticos e morais, explorados pela Psicologia e Filosofia. Furtar é algo eticamente errado, mas a sua família morrerá à fome se não lhe proporcionar alimento. Considera ser este um evento moralmente justificativo da ação furtar? Furtaria comida para sustento do seu filho, sabendo que prejudicaria alguém? Por outro lado, deverá o colaborador ser sancionado pela organização ou pela própria justiça se, porventura, encobrir ou pactuar com este tipo de situações extremas? Será que um ovo na algibeira poderá pôr em causa a sua integridade?
*com JMS
06 Dezembro 2024
06 Dezembro 2024
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