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Voz aos Escritores
2022-04-17 às 06h00
Um ramo ainda preso na árvore. Muitos ramos, aliás, pululam vida a germinar em pequeninas folhas ainda em afirmação desse verde que tem o mesmo nome, oliveira. Lá mais para o final do ano, o fruto. Pequeno, mas poderoso. Com ele regam-se maravilhas, iguarias do palato.
Por ora parecem pulular ao vento os anos que não contam. Este ano, tal como o anterior e o anterior a esse um Domingo de Ramos que não existiu. Que não teve um ramo porque to não dei. Pelo menos nesse tradicional dia.
Um singelo ramo de oliveira que encerra tanta história e simbolismo. Dá início à Semana Santa e os fiéis levam ramos de oliveira para a igreja, nesse Domingo conhecido como de ramos, numa lembrança da entrada de Jesus em Jerusalém. Na Bíblia aparece no bico da pomba que o entrega a Noé, o término do dilúvio, o triunfo sobre o pecado. Assinala a existência de terra, uma nova oportunidade, um recomeço. Renascer. Para os judeus é símbolo de paz e de abundância.
Algumas vezes, ao longo do meu crescimento, participei na apanha da azeitona. Uma colheita como a da amêndoa, com varas para varejar os ramos e com redes estendidas entre as árvores para que o fruto possa ser recolhido para bidons com destino ao lagar. Só que mais sofrida. Com meias até à cintura por baixo das calças de ganga velhas ou ainda as calças de pijama, mais umas meias bem grossas por cima, camisolas em camadas, casaco grosso e luvas e cachecol nem sempre foram barreira suficiente para o frio que pairava sobre os nossos corpos como um manto invernal, ao sair de casa antes dos primeiros raios de sol rasgarem a linha do horizonte e revelarem os recortes dos montes. A carrinha de caixa aberta com as lonas, as varas, os baldes, os bidons e o merendeiro para o pessoal. Cantares ao desafio com bocas entre uns e outros faziam parte do áudio do dia. Ou dos dias. As mulheres, e com as mulheres as crianças como eu, andavam de balde e de nariz no chão à cata das azeitonas que fugiam à malha das redes por serem pequenas ou por caírem fora. Trabalho de criança é pouco, quem o desperdiça é louco ou grão a grão enche a galinha o papo.
E efectivamente lá enchia um ou outro balde ao longo do dia. Lembro-me de uma vez alguém aparecer com uma corneta e com ela fazer a burra regressar à aldeia num viagem épica de orelhas para trás e pernas a fugirem como que da morte. Tive pena da bicha que não teve um ataque cardíaco por pouco.
Há pouco mais de um ano trouxe de lá de cima, de Custóias do Douro, uma oliveira ainda com um ramo só a prometer ser tronco um dia. Cresceu com vontade no quintal do meu padrinho, fruto apenas dos caroços que aleatoriamente para lá atira depois de encher a boca de sabor genuíno, e trouxe-a rodeada de terra de lá e uma série de recomendações. A ver se pega. Não deve pegar, mas sempre tentas. Lá veio em tremeliques e cuidados aos meus pés no carro entre os trezentos e tais quilómetros que separam o seu quintal da minha varanda. Enterrei-a num vaso enorme, enchi de terra, o Miguel pôs uma estaca ao lado e laçou-a, tão frágil que era exposta ao vento que teimava em dançar com ela.
Rega-a sempre que chover. Se não chover, não precisas de regar. A minha mãe em cuidados. Mas isso não vai dar nada. Mantive a minha esperança, feita vontade ou teimosia. E lá está ela, na minha varanda, com folhas novas, pequenas, muito verdes, sem serem carregadas ou fundo de garrafa. A D. Goretti fez o favor de fazer a poda, com tesoura própria e tudo. Não sei se dará azeitonas este ano ou alguma vez, mas continuo com a minha esperança feita teimosia.
Ainda não te dei o ramo, madrinha. Combinámos celebrar a Pascoela e nesse Domingo celebrar todos os Domingos perdidos, como uma remissão de contas. Até lá, o ramo estará a crescer alimentos na árvore.
Tão bom seria se os homens por essa terra fora pegassem num ramo de oliveira e baixassem as armas. Sem precisarem de uma pomba ou data especial. Porque de renascer, parecemos estar todos a precisar.
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