Correio do Minho

Braga, quarta-feira

- +

Uma cidade grande não é necessariamente uma grande cidade

Perceções

Uma cidade grande não é necessariamente uma grande cidade

Ideias

2024-12-11 às 06h00

Artur Feio Artur Feio

De todas as definições que existem para arquitetura, existe uma simples e direta: é a conceção do espaço em que a vida humana acontece. E, dada a sua importância, todos aqueles que atuam na construção das cidades, sejam eles arquitetos, urbanistas ou demais agentes da construção, necessitam de ter a exata consciência de como o dia-a-dia de todos aqueles que vivenciam as cidades é impactado com cada intervenção, com cada realização urbanística.
Neste contexto, a arquitetura adquire um enorme potencial enquanto promotor de integração e de bem-estar, dado o objetivo também fundamental da arquitetura de valorizar e relançar as relações com a comunidade. Para isso, os projetos procuram, por meio de uma nova visão estética, alcançar o máximo de funcionalidade.
Mas nem sempre isso acontece. E um dos exemplos mais gritantes na cidade de Braga é o do Mercado Municipal, essa nova centralidade tão prometida e aclamada, que não aconteceu!
A Câmara Municipal de Braga desenvolveu um projeto de renovação e valorização do Mercado Municipal, que apresentava uma linguagem contemporânea e limpa, em que a solução adotada apresentava uma tentativa de melhorar a relação com o contexto urbano, criando um impacto positivo na qualidade de vida de todos. Mas não aconteceu!
Esta visão técnica da arquitetura, aliada à visão humana do que é importante para a vida das pessoas, é o que faria a diferença no edifício e na envolvente. Mas a Câmara Municipal de Braga esqueceu-se, entre outras coisas, de o transformar também num agente dinamizador de práticas ambientais e sociais sustentáveis e promotor da circularidade da economia. Mas não aconteceu!
Os principais objetivos deste projeto deveriam também ter sido a redução dos impactos ambientais gerados, particularmente associados aos resíduos; reduzir o uso de embalagens de plástico na exposição e na comercialização de produtos; gerir bens alimentares excedentes ou em fim de prazo de validade, bem como adotar princípios de sustentabilidade, economia circular, economia de partilha e economia social. Mas não aconteceu!
Até porque este Mercado Circular foi financiado pelo Fundo Ambiental, precisamente para valorizar e promover os Mercados Municipais de Frescos dos centros urbanos como equipamentos emblemáticos, polos estruturantes e indutores de boas práticas ambientais e sustentáveis. Mas não aconteceu!
Com o renovado Mercado Municipal deviam ter sido distribuídos pelos clientes os primeiros sacos de compras reutilizáveis, acompanhados de uma ação de sensibilização. Em substituição dos sacos de plástico, a Câmara Municipal devia distribuir sacos de papel pelos comerciantes de frutas, legumes e peixes. Para sintonizar os bracarenses com estas exigências, a Câmara Municipal devia ter distribuído pelos clientes recipientes para recolha de óleo alimentar usado que podiam ser entregues no Mercado Municipal, onde estariam disponíveis unidades de oleões. Mas não aconteceu!
O Mercado Municipal devia ter ficado munido de ecopontos e compostores na zona exterior, bem como de estações de ecopontos interiores. Indo mais longe, os baldes de plástico de exposição de flores deviam ser substituídos por baldes de metal e as caixas expositoras de frutas e legumes por caixas de vime, dinamizando a sustentabilidade do nosso artesanato. Mas não aconteceu!
Havia uma condição à priori que não foi considerada e que terá sido um dos principais fatores para o insucesso deste projeto do ponto de vista da sua capacidade inovadora e de mobilização coletiva: estimular o envolvimento de comerciantes, clientes e forças vivas, num contexto de incentivo à circularidade de materiais, à redução do uso indiscriminado de plásticos, à utilização partilhada de bens e à diminuição do desperdício alimentar e material.
Por outro lado, o modelo proposto para a exploração da zona de restauração anexa ao Mercado Municipal mostrou-se completamente desastroso. A ideia de entregar a exploração a terceiros, sem influência direta do uso, da iniciativa da atividade não só em termos de exploração económica, mas também em termos de integração coletiva por parte do Município, transformou o espaço num leilão público de quem ofereceu mais para ter um determinado espaço, sem regras e sem critérios que não sejam a vantagem económica por parte de quem explora.
O espaço tornou-se em algo sem vida, sem alma, sem uma caracterização que conseguisse diferenciar-se de tantos outros locais de restauração que existem em qualquer outra grande superfície comercial.
Braga foi o concelho do país que registou o maior crescimento no número de habitantes, segundo os resultados definitivos dos Censos 2021. Mas uma cidade grande não é necessariamente uma grande cidade.
E a diferença faz-se através das ideias, da relação das pessoas com a cidade, da identificação dos cidadãos com o território, com a correção das assimetrias sociais e coesão interna, permitindo uma maior equidade territorial e reduzindo as assimetrias socioeconómicas regionais.
Escrevi há umas semanas que é necessário estar consciente que as mudanças ao longo do tempo não se produzem todas ao mesmo ritmo, nem para todas as pessoas e muito menos para todos os lugares.
Sobre o contexto de mudança, que são próprias de cada situação e de cada contexto, não posso deixar de referir a situação do Estádio Municipal de Braga. Tenho defendido que esta obra de linhas arquitetónicas inovadoras, uma obra de engenharia notável a nível mundial, tem sido desmerecida pela maioria do executivo municipal.
"...Como Thomas Jefferson, Souto Moura passou a sua carreira não apenas a redefinir as fronteiras da sua arte, mas a fazê-lo de maneira que serve o bem público…" afirmou Barak Obama sobre o Arquiteto Souto Moura na entrega do Prémio Pritzker 2011, elogiando o Estádio Municipal de Braga.
O tema do estádio municipal foi repetidamente utilizado pela maioria do executivo municipal como arma de arremesso político contra o PS. E, nessa deriva, recaem muitas das críticas e dos críticos no ridículo papel de atirar lama para cima da imagem pública da maior obra arquitetónica moderna da cidade de Braga.
Quem não se lembra da medida número 1 do programa eleitoral de Ricardo Rio: “…Alienar ou, se tal se revelar inviável por falta de interessados, rentabilizar, em benefício do Município, o Estádio Municipal de Braga…”.
Apoiadas e votadas favoravelmente por Ricardo Rio, então líder da oposição, as alterações ao projeto inicial foram publicamente justificadas pela CMB. E é pouco sério que se insista na ideia de que a incapacidade de investimento do Município de Braga se ficou a dever, nos últimos 11 anos, ao endividamento gerado pelo Estádio Municipal. É errado, falacioso e falso!
Quando Ricardo Rio foi eleito, em 2013, quanto é que faltava pagar?
Segundo os documentos de prestação de contas do Município de Braga, a 31/12/2013, a dívida dos empréstimos relativos a tal obra era de 39.056.302,06 €, empréstimos esses que terminaram em 2023.
Na última década, o Município de Braga teve mais de mil milhões de euros de orçamento municipal, repito, mais de mil milhões de euros. Como é fácil de concluir, não foram os 39 milhões do estádio que inibiram o investimento estrutural em Braga.
A verdade é que essa limitação ou inexistência de investimento em áreas fundamentais resultou de opções e prioridades políticas desta maioria.
A prova disso mesmo é que, consultando o portal base.gov, verifica-se que, nos últimos 10 anos, o Município de Braga gastou 9.500.073,98€ em Tendas, Alugueres de Palcos e de Equipamentos (em contra-ponto, o Município de Guimarães gastou 1.533.376,74€, o de Famalicão gastou 2.785.640,26€ e o de Barcelos gastou 2.002.360,66€). Outro exemplo é o valor absurdo gasto em consultorias para gestão de projetos e software que ascendeu aos 5.236.248,39€ (Guimarães gastou 1.949.291,44€, Famalicão gastou 2.060.997,44€ e Barcelos gastou 1.041.060,59€).
Mas, ainda mais revelador das prioridades erradas desta maioria é atentar nos números contratuais no que toca a obras públicas. Nestes últimos 10 anos, o Município de Braga gastou 85.512.878,47€, sendo que, em Guimarães tais despesas foram na ordem dos 151.663.989,66€, em Famalicão na ordem dos 107.555.817,65€ e em Barcelos na ordem dos 97.073.033,39€.
Será responsável e correto que a maioria do executivo assuma as suas próprias decisões ao invés de passar a vida a acusar o Partido Socialista que tanto investiu e desenvolveu Braga.
Para terminar, não posso deixar de salientar o facto de Ricardo Rio ter alienado, de forma incompreensível, as ações que o Município detinha da SAD do Sporting de Braga pelo “…incompreensível valor simbólico…” de 200 mil euros, quando agora valeriam mais de 20 milhões de euros. Tal decisão, apenas explicável à luz da certeza de que Rio nunca acreditou no sucesso desportivo do Sporting Clube de Braga, pode bem ter contribuído para comprometer de forma decisiva e irrevogável o futuro do Sporting Clube de Braga.
Por razões diferentes, tanto o Mercado Municipal como o Estádio Municipal de Braga mostram a falência do projeto da coligação PSD/CDS-PP para o concelho. Começa a ser tempo de olhar de forma diferente para o futuro. Porque uma cidade grande não é necessariamente uma grande cidade!

Deixa o teu comentário

Usamos cookies para melhorar a experiência de navegação no nosso website. Ao continuar está a aceitar a política de cookies.

Registe-se ou faça login Seta perfil

Com a sessão iniciada poderá fazer download do jornal e poderá escolher a frequência com que recebe a nossa newsletter.




A 1ª página é sua personalize-a Seta menu

Escolha as categorias que farão parte da sua página inicial.

Continuará a ver as manchetes com maior destaque.

Bem-vindo ao Correio do Minho
Permita anúncios no nosso website

Parece que está a utilizar um bloqueador de anúncios.
Utilizamos a publicidade para ajudar a financiar o nosso website.

Permitir anúncios na Antena Minho