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Uma sociedade muito conectada, mas pouco

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Uma sociedade muito conectada, mas pouco

Ideias

2025-01-20 às 06h00

Pedro Morgado Pedro Morgado

A palavra “conectar” tem a sua origem no Latim, “conectare”, e significa “unir, ligar, juntar ou vincular”. Na era das redes sociais, a palavra ganhou novos usos, passando a estar presente em múltiplos contextos para significar, entre outros, “estar ligado à internet” e “estar ligado a alguém ou alguma coisa através de uma das redes sociais”.
Na era pré-internet, as relações sociais teciam-se de encontros e desencontros físicos, mediados pelos olhares, pelo toque e pelas palavras ditas ou escritas, mas respeitando uma cadência que era determinada por múltiplos fatores não controlados por cada um dos seus elementos.
Ao longo da História, muitas cartas ficaram por ler, algumas perdidas nas redes de distribuição de correio, outras esquecidas em casas já inabitadas pelos destinatários, outras intencionalmente desviadas e tudo mais que a imaginação possa comportar. Quem as escreveu e nunca recebeu resposta poderia viver na incerteza do que teria acontecido, fantasiando sobre extravios, desvios ou mudanças e aceitando inevitavelmente que, podendo ter sido lidas pelos destinatários, não foram merecedoras da intenção de corresponder.

A internet acelerou a vida e, consequentemente, transformou as relações.
Em primeiro, aumentou exponencialmente o número de interações sociais que estabelecemos e a quantidade de pessoas com quem interagimos. Num mesmo dia é possível que contactemos com mais pessoas do que os nossos avós durante toda a vida.
Em segundo, transformou os canais e os códigos de interação social, permitindo que as trocas virtuais, mediadas pela tecnologia, passassem a ser mais frequentes do que as transações em pessoa. Em vez de sorrisos, partilhamos likes e corações; em vez de abraços, apertamos teclas; e em vez de palavras faladas que transbordam emoções, escrevemos pontos de exclamação.
O ser humano é um ser social que necessita de uma vida comunitária para se realizar em todo o seu potencial, para lidar com os desafios e dificuldades normais da vida e para contribuir para essa(s) mesma(s) comunidade(s) que integra de forma positiva. A importância das relações intraespécie é tão crítica para a sobrevivência que, ao longo da evolução, o cérebro humano (e de outros mamíferos) especilizou algumas áreas e circuitos no reconhecimento das faces e das expressões faciais.

Neste contexto, o tempo e a estabilidade das relações é um fator importante para o bem-estar individual e reforça um sentido de pertença comunitário que é vital para uma espécie eminentemente social como a humana. É precisamente por isso que o cérebro especializou essas áreas na avaliação do que nos dizem as expressões faciais dos demais. E é por isso que as relações humanas se tecem de subjetividades e de incertezas que contribuem para uma certa idealização dessas mesmas relações que acaba por ser verdadeiramente estabilizadora.
Com as naturais variações interindividuais, o ser humano precisa de maior ou menor aprovação pelos demais para se sentir parte da(s) comunidade(s) que integra. E, com variações individuais, é certo, precisa também de uma vida sexual e romântica para sobreviver.
As relações interpessoais constituem-se, portanto, como um valor relevante para o ser humano. Foi a partir do reconhecimento desse valor e também por causa dele que o mercado das interações sociais se desenvolveu de forma exponencial com a internet e, em particular, com as redes sociais.

A possibilidade de interagir com muitas pessoas é sedutora e a experiência de receber muito feedback positivo é gratificante. Ao mesmo tempo, a superficialidade da maioria das interações, a frustração do feedback que não é perfeito e o confronto com as realidades “hiperinteressantes” comunicadas (embora não necessariamente vividas) pelos outros podem ser profundamente penosas.
Estas novas redes sociais não são, na maior parte das vezes, verdadeiras redes sociais. É certo que promovem interações ponto a ponto, mas a ligação que estabelecem é, tantas vezes, tão fugaz e tão ténue que não pode contribuir para a malha de que se tecem as relações que nos sustentam enquanto ser social.

Parece que a ideia de estar permanentemente ligado a muitos outros é uma ilusão sem realismo que coloca o valor que damos às relações a render num mercado onde a nossa atenção as redes sociais vale dinheiro. Vendemos o nosso tempo acreditando que estamos a construir conexões quando, na verdade, essas interações não ligam, não unem e não vinculam praticamente ninguém.
O mundo mudou de forma excepcionalmente acelerada nas últimas décadas sem que o corpo, incluindo o cérebro, tivesse tempo para evoluir. Por muito que a tecnologia nos empurre para conexões rápidas e superficiais, o nosso aparelho emocional continua a precisar de verdadeiras conexões, daquelas que vinculam e se transformam em relação. E as relações não se constroem numa fotografia, dois cliques e cinco minutos.

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