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Uma tese de doutoramento na Bosch Car Multimédia Portugal

Assim vai a política em Portugal

Uma tese de doutoramento na Bosch Car Multimédia Portugal

Ideias

2021-03-22 às 06h00

Moisés de Lemos Martins Moisés de Lemos Martins

As Universidades nasceram na Idade Média, entre os séculos XI e XIII. Fundavam-se na palavra e serviam o pensamento, preparando as elites políticas, culturais e religiosas.
Foi a revolução tecnológica dos séculos XIX e XX que deslocou a cultura no Ocidente, de um regime centrado na palavra e no pensamento, para um regime centrado no número e na medida. Enquanto arte da palavra, o regime argumentativo é baseado em raciocínios de verdade provável, e não provada, de verdade verosímil, e não evidente, e a sua lei é a persuasão. O regime argumentativo apresentava-se como uma promessa de futuro, garantindo o que viria adiante. E adiante estava o progresso. Esta arte da palavra planeava o futuro, e era programa. Via o futuro, e era prospetiva. Conhecia o que viria adiante, e era prognóstico. Tinha uma intenção para diante, e formulava um propósito. Ditava o futuro, e era proposição.

Acelerando a época, a revolução tecnológica não visa o futuro, centra-se antes no presente e converte todas as coisas, bens, corpos e almas, em mercadoria. Entretanto, envolvendo-as num espetáculo de luz, som e sensibilidade, mobiliza-as para o mercado, ou seja, para uma competição, um ranking, uma estatística, um web summit qualquer.
No regime da palavra, um regime que argumenta, a ideia de desenvolvimento, assim como a ideia de crescimento, têm sobretudo uma dimensão humana. Neste regime, a escola é a instituição-chave, e o professor é o principal ator social. Por sua vez, a viagem humana é compreendida como uma passagem, um trajeto controlado, que caminha para um fim jubiloso.
Em contrapartida, no regime do número, que procede por medidas, o desenvolvimento e o crescimento são sobretudo económico-financeiros. A empresa é a instituição-chave, e o gestor é o principal ator social. A viagem humana é compreendida, então, como uma travessia, um trajeto vivido num quotidiano de urgências e injunções, e ainda por cima, enigmático, labiríntico e cheio de perigos.

A massificação da Universidade é uma conquista da modernidade. Mas a predominância da investigação sobre o ensino, ou seja, do conhecimento centrado no número e na medida, sobre o conhecimento fundado na palavra e no pensamento, aconteceu na Universidade apenas nas últimas décadas. E a ligação das Universidades às empresas é ainda mais recente. Mas tem-se desenvolvido a um tal ponto que a própria empresa aparece, hoje, como modelo para a Universidade. Pode dizer-se, neste sentido, que os sistemas empresariais, de qualidade e de melhoria contínua, são práticas empresariais que se estendem, agora, às Universidades. Entretanto, tornou-se prioritário na atividade universitária que ela sirva o crescimento económico e a criação do emprego.

É este o contexto em que nascem os Doutoramentos Universidade-Empresa, da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT). Na quinta-feira passada, realizou-se um doutoramento-empresa em Ciências da Comunicação na Universidade do Minho, tendo-se apresentado a provas Ana Paula Cruz, especialista em planeamento estratégico e em estratégia de marca, na Adpress - Agência de Consultoria em Planeamento estratégico e Marketing e Empresarial, além de professora de Gestão da Comunicação e de Marketing Digital.
A tese tinha como título “A Sémio-narrativa em Ação, na Mudança Organizacional”, numa formulação de compreensão difícil para o leitor comum. Tratou-se de uma tese que envolveu num contrato a FCT e a Bosch Car Multimédia Portugal, instalada em Braga, e que contou com uma bolsa de doutoramento, ganha num concurso competitivo, e paga, a meias, por uma e outra entidades. Daí decorreu uma colaboração entre o Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho e a Bosch.

Do que se tratou, na realidade, nesta tese foi de desencadear um processo de mudança na Bosch e de o analisar. O processo de mudança foi estabelecido ao nível das chefias da empresa, incluindo a administração e as chefias de departamento e de secção. A doutoranda foi desafiada a desencadear, ela própria, o processo de mudança, trabalhando em sintonia com a secção de DBE (Deployment of Business Excellence) e com o departamento de HRL (Recursos Humanos Locais) da Bosch, e agindo em ligação com os seus objetivos, traçados em Balanced Scorecard (Quadro de objetivos anuais).
Em resultado deste contrato, estabelecido entre a FCT e a Bosch, o processo de investigação em que consiste um doutoramento ganhou a forma de uma investigação-ação. Centrado nas chefias, o processo de investigação-ação procurou concre- tizar a Mudança Organizacional requerida. O objetivo foi o de desenvolver nas chefias uma maior capacitação (“empowerment”), tendo em vista tornar a empresa mais ágil e competitiva, num contexto de crescimento acelerado de negócio e trabalhadores. Diga-se, neste contexto, que a Bosch, em Braga, tinha em 2015, cerca de 2000 trabalhadores, e que conta, hoje, com cerca de 3800.

Entre 2015 e 2018, Carlos Ribas era o representante da Bosch em Portugal, função que acumulava, então como agora, com a de administrador de operações na Bosch Car Multimédia Portugal. Lutz Weeling era o administrador comercial desta empresa.
Foram, então, criadas duas equipas de trabalho de líderes da Bosch, uma sobre o poder de liderar, e uma outra sobre o saber liderar, envolvendo, como referi, administradores, chefes de departamentos e chefes de secção. O objetivo foi duplo: por um lado, conceber e realizar o plano estratégico da empresa; por outro, conferir às chefias limites partilhados de atuação, quanto à sua capacitação. O trabalho das equipas, que reuniu todas as semanas, ao longo desses três anos, foi acompanhado por Ana Paula Cruz, que contou com a supervisão de Susana Machado, técnica de comunicação da Bosch, ela própria graduada em Ciências da Comunicação pela Universidade do Minho, em 2003. Foram orientadores da doutoranda eu próprio e Teresa Ruão.

O grande mérito da tese de Ana Paula Cruz foi o de ter participado no processo de transformação da Bosch, de mera unidade de produção tecnológica, numa unidade de investigação, inovação e desenvolvimento. Este plano estratégico da Bosch Car Multimédia Portugal, em que participou e de que dá conta o projeto doutoral “A Sémio-narrativa em Ação, na Mudança Organizacional”, vigorou entre 2018 e 2020. Todavia, sendo revisto anualmente, ainda hoje se mantém, com Carlos Ribas, mas agora também com André Reis, à frente da administração comercial.

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