Um batizado especial
Ideias
2020-11-28 às 06h00
O processo de adoção do orçamento plurianual da UE sofreu, esta semana, um inquietante abalo. Com isso, as dúvidas regressaram em relação aos esforços da União para arrostar (dispondo de meios financeiros adequados) com as consequências da pandemia.
A Hungria e a Polónia (originariamente) e depois, a Eslovénia, vetaram a condição do “respeito pelo Estado de Direito” para ser possível aceder, por parte dos Estados-membros, aos fundos europeus destinados ao relançamento da União, face à pandemia Um impasse que, para muitos, não é mais do que o aproveitamento de uma oportunidade para se praticar politicamente a técnica (arte?) da chantagem! Com efeito, em julho, após uma longa e atribulada sessão do Conselho, os Estados-membros alcançaram um compromisso sobre o orçamento plurianual da UE (2021 – 2027) e sobre um Fundo especial de recuperação face à pandemia, de, respetivamente, aquele de 1.07 biliões de Euros e este último de 750 mil milhões de Euros. Para já, na expetativa de que este problema não lhe caia nas mãos, temos, desde logo, o governo português. Em 1 de janeiro de 2021, teremos em ação a presidência da UE portuguesa e, naturalmente, espera-se que, antes disso, o impasse tenha sido ultrapassado. Não é só, note-se, por uma questão de oportunidade política e de conveniência da presidência portuguesa: estamos efetivamente dependentes daquele Fundo (nós e vários outros Estados-membros), para conseguirmos literalmente passar o cabo das Tormentas do (pelo menos) próximo ano. Em situações de crise, naturalmente, a corda começa a quebrar-se pelos pontos mais fracos e Portugal, com a debilidade crónica da sua estrutura económica-produtiva e com os recorrentes problemas e incapacidades de gestão orçamental e gestão financeira públicas, com uma dívida em crescendo relativamente ao respetivo PIB e, até certo ponto, saído, ainda há pouco, de um quadro de intervenção e ajuda europeus (“troika”), coloca-se na mira quer do epicentro, quer das grandes ressacas da crise pandémica.
Naturalmente, a Hungria, a Polónia e, agora, a Eslovénia pretenderão retirar a pressão política internacional e intraeuropeia que, sobre estes Estados-membros, recai, em consequência das conhecidas e testemunhadas violações ao Estado de Direito, por parte de um poder, no mínimo e simpaticamente falando, pré-totalitário – pelo menos, violações a alguns princípios estruturantes do que é o Estado de Direito, vg. a independência do poder judicial.
Aqueles Estados-membros têm vindo a retorquir que “só uma instância judicial independente é que pode dizer o que é o Estado de Direito e não uma maioria política” (declaração do primeiro-ministro esloveno). Na verdade, não deixa de ser cinicamente irónico, este argumento, vindo do grupo de Estados que se fez notar, desde logo, pela ação cerceadora e mesmo aniquiladora, precisamente, da independência do poder judicial.
É certo que, pelo menos, da parte da Polónia e da Hungria, os atentados, na perspetiva da comunidade internacional/europeia, parecem evidentes e, no fundo, sem que os poderes ali instituídos mostrem sequer preocupação em esconder esse estado de coisas! Tão graves como as situações daqueles países, em termos de Estado de Direito, acabam também por ser – pelo menos, potencialmente – outros casos que acabarão por produzir, a prazo, o mesmo efeito. Só que vão sendo praticadas de um modo mais discreto, mais sub-reptício e mais “soft”. Ocupações e violações do direito de propriedade de imóveis (por vezes, para fins nada altruísticos ou mesmo espúrios – por exemplo, arrendamento a terceiros, pelos e em proveito patrimonial dos “okupas”) sucedem, estão em curso, aqui ao lado (Espanha), pelo que vamos sabendo (apesar de tudo, pouco!) pela imprensa - e isso, com a complacência do poder administrativo e policial (e, aparentemente, também judicial). Limitações ao direito/dever de informar e à liberdade de expressão, são toleradas, viciosamente toleradas, pelos poderes vigentes que deveriam garantir a plena efetividade do Estado de Direito. O desaparecimento (físico) de uma jornalista (Daphne Caruana Galizia) que noticiava casos de corrupção não foi uma situação ocorrida num qualquer “não-Estado” de uma zona geopoliticamente conturbada: sucedeu na União Europeia, em Malta. E esse caso, de sub-reptício, não teve nada!
Enfim, há muitas e aparentemente não ostensivas situações de risco, atualmente, para o Estado de Direito e para a sua efetivação…Não tão ostensivas, mas igualmente tão perigosas.
Mas, na verdade, tudo tem um começo – quer a degradação do Estado de Direito, quer o combate a essa degradação. Por isso, creio que, política e eticamente, a União não poderá ceder a chantagens daqueles mencionados três Estados-membros. Senão, nem aquelas, nem as outras situações mais dissimuladas (por enquanto), serão travadas!
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