Liberdade, não te ausentes de mim!
Ideias
2017-06-09 às 06h00
Homenagem aos que acreditam e que vieram mostrar o que fazem. A eles, todos os incentivos, para que continuem, para que atinjam o sucesso, independentemente dos nadas que uma feirinha miseranda lhes aporta. Simetricamente, todas as reprovações a quem se esgota na organização de um simulacro, a quem se dá por contente com futilidades para “inglês ver”, irónicas, no caso vertente, por inglês não ter chegado a ver. Empresto pompa a cinquenta metros de barracos de gargalo aberto, ao “Green Wine’s Central Avenue City Stage”. Assim soa à séria. Inglês pode continuar a não vir e a não ver, mas os briosos senhores fulanos de tal dormem mais tranquilos - à inglesa escorrega melhor.
Nas nossas terras, que outro produto emblemático encontraríamos, que outro fruto do labor local estamos capazes de fazer chegar aos quatro cantos do planeta? Dizem, os entendidos, que o marketing recria o produto, que o marketing multiplica valor, que o marketing alça o produto nos rankings, que o coloca até onde ele não faz falta.
Dispenso-me ao discurso da competitividade, da produtividade por unidade temporal de trabalho, das exportações, enfim: a toda essa treta que não há cargo político que não reproduza em cantilena de engana-meninos.
Às vezes chego a pensar que fugimos do sucesso, que preferimos rasgar o bilhete premiado para podermos prosseguir com vidas lamentosas, com encolheres de ombro e proverbiais “andando e Deus louvando”. E o primeiro passo que damos é o de escolhermos os mais ineptos para tocar o barco. Asno à cabeça e é um fartote de rir: ai que eu fazia, ai que eu acontecia, ai que como eu digo é que é. Vivemos para os fait divers, para o sound bite, para os mise en scène, para o show-off, para o happening, para os stage, agora. A vida, em si mesma, não interessa, desde que saiamos com uma estórinha, com um arranjinho conveniente. A vida fica para depois, para o ano que vem, para um sebastião que tudo reponha nos devidos eixos.
Maledicências de que me defendo. Fujo do epíteto de vinhateiro de almanaque. Sei alguma coisa, e de bom grado completaria o alforge. Tive, em tempos, proximidades hoje esfumadas. Estou esclarecido de contas e sei que o Verde tem de jorrar das adegas a rodos e correr mundo. É preciso produzir para o mercado global, mas é fundamental que os agentes desse grande bazar nos descubram, para que depois connosco se identifiquem.
Custa ver o Vinho Verde no alinhamento de feirota da chouriça pacóvia, de mostra do tremoço mijão, de festival do dióspiro esborrachado. O discurso provincial-patrioteiro não serve: de que adianta ter um produto inigualável, se resistimos em dotá-lo da devida etiqueta, do merecido realce? Custa dinheiro organizar um stage de arregalar o olho? E quem diz que a procissão tem de sair todos os anos?
Chão abençoado uvas dê, mas o Verde, esse, é preciso vendê-lo. Quais as perspectivas de um produtor que para bem embotelhe umas quarenta mil unidades de boa pinga? É a grande distribuição que as absorve? É o bater porta a porta, deixando grades à consignação em comedoiros? Como pode ele vender para o estrangeiro, se nem um contentor carrega?
O futuro do sector passa por outro tipo de alianças entre produtores, por sinergias entre produção e comercialização, pela generalização do turismo temático. Passa por encontros de interessados, por discussões abertas. A menos que se sustente que os zés-ninguéns e as marias-incógnitas conseguem dar a volta por cima, com esforço exclusivamente pessoal, a partir do escritório da quintinha, com uma página WWW.
O Verde é preciso vendê-lo com estratégia, bem identificados os produtos a que vai disputar mercado, bem equacionadas as rotinas de consumo em que desejavelmente queremos que se imponha. Nunca terá destaques classificativos nas grandes revistas da especialidade, nunca se venderá a 200€ a garrafa no ano de produção, mas poderá almejar a uma ampla saída no seu segmento de valor.
Assiste-me a força moral de tudo isto ter advogado - e muito mais - faz anos, diante de quem me rebateu com vaidades de sabichão. Sabia tanto como para chegar a este risível resultado. Tendo estado por fora, só agora me apercebi do carnaval, mas não deu para rir. Para carpir mágoas, encostei-me ao balção, liguei o tascómetro, pedi um pacote de litro de verdasco. Tenho a dizer que não era mau. Abriu-me as fomes para uns pastelinhos de bacalhau-paloco, amparados por canuquitos de broa. Rodeado de autenticidade, no âmago de uma cidade autêntica, figurei que tudo fazia sentido. Percebi que estava na capital planetária do Vinho Verde, e que tinha entrado na adega em contramão.
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