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A Cruz (qual calvário) das Convertidas

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Ideias

2012-10-28 às 06h00

Felisbela Lopes Felisbela Lopes

O acaso levou-me, esta semana, a cruzar-me com pessoas que me deixaram a pensar. Algumas pela vida difícil que levam, outras pela mesquinhez dos gestos que adoptam, outras ainda pela generosidade que demonstram, sem disso fazer qualquer aparato.

1 - Encontro-a de quando em vez. Sei muito pouco acerca da sua vida. A profissão que tem não exige muitas habilitações académicas, mas, nas poucas vezes que com ela cruzo, fico sempre admirada com a forma como comigo conversa: no apuramento que põe na pronúncia de cada palavra, no modo aprimorado como constrói cada frase, na cultura geral que demonstra. É uma rapariga jovem e extremamente bonita. Não sei se gosta do que faz, mas não me parece do género de pessoa que se acomoda. Desta vez, não me recebeu com o habitual sorriso. Nos poucos minutos em que partilhámos o mesmo espaço, sinto que está preocupada. Alguém puxa o tema do momento: a crise, a austeridade, as crescentes dificuldades financeiras. À medida que a conversa avança, o seu rosto fecha-se e os seus expressivos olhos azuis ganham um súbito brilho que ameaça transformar-se, em pouco tempo, em substanciais lágrimas. Tento arrastar a conversa para outro tópico. Exigências do trabalho levam-se a sair da sala, voltando dali a pouco. Não a deveria já encontrar no mesmo sítio, mas aí está ela, imobilizada numa cadeira. “Está triste, não é? Posso ajudar em alguma coisa?”, pergunto. A resposta vem em turbilhão de queixas: trabalha há vários anos a recibo verde; apesar do salário ser muito baixo, não pode perder aquele trabalho que lhe garante o sustento do mês; e agora a entidade empregadora começou a exercer uma pressão tal sobre ela que o relacionamento está já ao nível do desrespeito. “Sinto-me injustamente mal tratada. Todos os dias, dou o meu melhor. Vivo cheia de medo de ser despedida. O que posso fazer?” Fico ali, parada, sem uma resposta. Estendo-lhe a mão e ela dá-me um forte abraço, dizendo sentir-se desesperada. Não consigo dar-lhe a ajuda que necessita. E este não é o primeiro caso assim. Nos últimos tempos, várias pessoas me têm lançado um SOS para que as ajude a ter uma melhor situação laboral ou simplesmente a encontrar o emprego que perderam.

2- Esta semana, coordenei a organização do doutoramento “honoris causa” que a Universidade do Minho atribuiu ao Professor Nuno Portas. Desta vez, o evento saiu do Largo do Paço, em Braga, para decorrer no imponente monumento do Paço dos Duques de Bragança, em Guimarães. Para este tipo de cerimónias, recebemos algumas dezenas de convidados que se sentam segundo regras protocolares. Durante o período de recepção, alguém me diz que há um problema com um convidado que exige sentar-se em lugar de destaque na primeira fila. Achei que haveria ali algum equívoco na forma como me estava a ser transmitida tal informação e eu própria fui falar com a pessoa em causa. Não havia qualquer engano. De forma espantosamente objectiva, ali estava um homem que, sem qualquer cortesia, me dizia qual o lugar em que achava que deveria sentar-se. Tentei explicar-lhe quem era a pessoa cujo lugar reivindicava: alguém com um cargo de relevo e com uma assinalável carreira académica, o que não seria, de todo, o caso do meu estranho interlocutor, que se apresentava ali muito rosado, convencido de uma importância que não tinha. Olhado ao longe, aquele homem, esganado numa espalhafatosa gravata, causou-me uma súbita compaixão. Ali estava ele para participar numa cerimónia cujo ponto alto seria o lugar onde se conseguiria sentar.

3 - Também por estes dias, alguém me demonstra toda a disponibilidade para ajudar num trabalho complexo que tinha em mãos e que envolvia várias pessoas. Quem se prontificava para colaborar era alguém assoberbado em múltiplas tarefas. Percebendo que eram necessários mais elementos, ali estava a oferecer-se para ser parte de uma equipa, sem com isso retirar qualquer proveito. Se isso seria já de si louvável, o que mais apreciei foi a sua opção em fazer o trabalho mais aborrecido de todos. E ali fiquei eu, por uns momentos, a observar isso e a pensar que há gente que nos abala profundamente pelos bons exemplos que nos proporcionam.

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