Março é leitura
Escreve quem sabe
2022-12-27 às 06h00
A vida sempre se foi fazendo com mudanças, por circunstâncias do acaso ou em consequência de atividades naturais e humanas. Das crises surgiram oportunidades, da destruição a reconstrução, da hecatombe o revigorar da vida. Contudo existem períodos intermédios de transformação entre avanços e recuos que originam perdas e dor que podem ser demoradas e contundentes. Ciclos como aqueles que antecederam as quedas de antigos impérios e civilizações de outros continentes. Tempos incertos que transportam simultaneamente medos e esperanças.
No final do último milénio parecia-me que o Mundo estava num momento ascendente, com a estabilização territorial das Nações, um acelerado desenvolvimento científico e o alargamento planetário dos direitos e liberdades politicas, sociais e económicas, tornando-nos cada vez mais próximos e conectados num conceito de vida Global. Apesar de muitas diferenças, e de modelos de desenvolvimento diferentes, até opostos quanto à prioridade atribuída aos direitos individuais ou coletivos, sentia que tudo caminhava no sentido da melhoria de vida de todos os povos. Sentia-me um ser privilegiado por participar num período da História único, acreditando ser possível um Mundo melhor, pacifico em contínuo crescimento, com maior partilha das riquezas produzidas, contribuindo tudo para a diminuição progressiva das desigualdades.
Hoje, não sinto o mesmo. Quanto mais informação apreendo, mais dúvidas se me vão colocando. Não sei se é falha na mensagem, da sua interpretação, da minha limitação de consciência educada dentro de determinados padrões de civilização, ou do avanço da idade que me torna mais pessimista.
Sinto uma confusão no ar que prenuncia – quiçá- um novo momento de mudança mundial. As expetativas num mundo melhor, assente em princípios universais da liberdade e do respeito dos direitos fundamentais, não se concretizaram. Voltamos às incertezas e confusões de escolha da melhor direção para o futuro, visível nas pequenas interpretações do quotidiano, ou em grandes mudanças geoestratégicas com novos reposicionamentos do poder político e económico.
Nas Democracias que seguem a vontade das maiorias, respeitando as minorias, assisto a roturas extremistas de interpretação de valores e princípios em nome da liberdade e da igualdade, baralhando-se conceitos que alicerçam civilizações e o senso comum. Assisto à indiferença no crescimento das desigualdades, visível na péssima redistribuição de riqueza, na redefinição e aplicação local dos direitos universais em nome do direito à diferença, sobretudo nos países mais pobres e com regimes políticos menos democráticos.
Entre os partidos políticos que tradicional se colocam no centro esquerda e centro direita, vejo poucas diferenças, pois passaram a gerir o curto prazo que satisfazem eleitorados de circunstância, em vez de enfatizarem as grandes opções politicas que distinguia a sua doutrina fundadora. Pior, estão os países que representavam os modelos de esquerda socialista, ou de direita conservadora: Uns com os seus oligarcas, outros com os seus capitalistas, cada um com os seus defensores globais e as suas justificações internas sustentadas nas leis que lhes servem. Uns continuando a insistir nos avanços civilizacionais do coletivismo, outros nos direitos de transmissão dos bens e da riqueza baseada em valores que parecem imutáveis. Ambos tomando como acertados os seus próprios conceitos de liberdade, defendendo-se com o primeiro dos direitos: “Cá em casa, mandamos nós”. Regressa o nacionalismo.
Assisto à pausa do desenvolvimento esperado. A paragem imposta pelo Vírus apenas veio dar maior visibilidade ao que se estava a passar. A fraqueza de alguns regimes é atirada para a responsabilidade da dúbia intensão dos outros. De repente o Mundo regressa à crise económica e ao medo do futuro, desconfiando-se dos parceiros e dos benefícios da globalização. Regressa o protecionismo. Rebenta a guerra e nascem, ou renascem, novas e velhas, alianças geopolíticas. Tudo piora: Faltam bens; diminuem os negócios; regressa a inflação e com ela o agravamento das condições financeiras, a diminuição das remunerações dos assalariados e a falta de emprego para jovens bem melhor capacitados. A crise volta ao quotidiano das notícias. O futuro parece ameaçado e oiço uma frase que me dói: “Caminhamos para tempos em que os filhos viverão em piores condições que a dos seus pais”. Não quero acreditar. Será que iremos voltar a regredir económica e civilizacionalmente, como aconteceu no passado?
Nestes tempos de incerteza que vou sentindo coloca-se em crise os modelos de vida vigentes. A Democracia é posta em causa, dando-se espaço a soluções, que apesar de terem já demonstrado serem perigosas, são-lhes abertas as portas em nome do “basta”. Tudo serve para protesto e para acusar os governantes eleitos. A demagogia instala-se. Começa pelo descrédito do modelo político e dos seus principais intervenientes quando o erro de uns poucos é colocado sobre a cabeça dos demais. Aumentam os gritos da punição inquisitória nos média pseudoindependentes e nas redes sociais. As instituições são postas em causa, reclamando-se a solução salomónica da espada justiceira.
Tempos incertos: Confunde-se igualdes com igualitarismo; liberdade, com liberalismo; qualidade de vida, com riqueza abundante; Estado, com cobrador de impostos; Governos, com distribuidor de subsídios; valores seculares, com conservadorismos arcaicos; Lei, com Tribunais; Lideranças, com génios do enriquecimento; Desigualdades, com destino natural dos mais fracos; Oportunidades, com armadilhas; Justiça, com condenação. Os extremos posicionam-se como boa solução.
Preparemo-nos para dias difíceis e incertos. Tomemos consciência que é preciso preocuparmo-nos com os direitos e as instituições que deram ao Mundo avanços extraordinários. A indiferença e a condenação brejeira e automática de quem lidera pode ser uma má escolha para o futuro.
21 Março 2023
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