Entre a vergonha e o medo
Escreve quem sabe
2019-10-22 às 06h00
Habitualmente faço parte da equipa de docentes que recebe os estudantes de primeiro ano do curso de licenciatura em Enfermagem da Universidade do Minho. No entanto, este ano, encontro-me ocupada profissionalmente com outras temáticas e não poderei estar presente nesta receção – o que me deixa com alguma pena, visto que aprendo imenso com eles. O facto de estarmos todos os anos em contacto com novas gerações deixa-nos, a mim e aos colegas, obrigados a dar conta do recado, uma vez que vêm cheias de energia e de vontade para começar uma nova vida académica.
A chegada destes novos estudantes obriga-nos igualmente revisitar as temáticas que são lecionadas neste primeiro ano, que servem de fundamento à Enfermagem. São temáticas essenciais para o entendimento e concetualização da profissão, percorridas inúmeras vezes durante os restantes anos do curso. Esta revisita mais esmiuçada permite também rever alguns documentos que servem de base à nossa ação como enfermeiros, possibilitando refletir (novamente) sobre os mesmos, mas sempre com a ajuda de algum conhecimento já fundamentado e novas experiências.
Um desses documentos desperta-me especialmente a atenção. O seu título, Padrões de Qualidade dos Cuidados de Enfermagem, remete para uma proposta de excelência que não me deixa esquecer um dos nossos objetivos fundamentais, que é ajudar o Outro nos seus processos de transição. Este documento de 2001 ainda se mantém atual, apresentando pressupostos basilares, como por exemplo a necessidade da qualidade em saúde, que deve ser trabalhada de forma pluridisciplinar e para a qual os enfermeiros podem ser agentes impulsionadores.
Por um lado, existem quatro elementos que alavancam conceptualmente estes padrões de qualidade: a saúde, a pessoa, o ambiente e os cuidados de Enfermagem. A saúde, processo contínuo e dinâmico, de entendimento subjetivo, não deve ser considerada o oposto de doença, mas sim o equilíbrio entre o estado físico, mental, social e espiritual da pessoa, sendo um dos seus direitos fundamentais. A pessoa, sendo um ser social, interage com o ambiente dentro das suas caraterísticas individuais, apresentando-se como um ser único, digno e com autodeterminação; a pessoa apresenta igualmente processos anatómicos e fisiológicos que não consegue controlar de forma total, pelo que deve ser também ajudada nestes caminhos. O ambiente é um sistema aberto e complexo que influenciada a saúde, a pessoa e os cuidados de Enfermagem, sendo constituído não apenas por caraterísticas físicas, mas também por caraterísticas culturais, políticas ou ecológicas. Por último, os cuidados de Enfermagem são realizados por enfermeiros, que se centram na relação entre estes últimos e a pessoa, grupo ou comunidade que necessita dos mesmos, sendo favorecidos por conhecimento científico, e pela sua evolução; os cuidados de enfermagem devem ser estabelecidos de acordo com os projetos de cada pessoa, grupo ou comunidade, existindo, para isso, um respeito fulcral perante a unicidade de cada um destes elementos.
Por outro lado, os padrões de qualidade dos cuidados de Enfermagem são determinados por enunciados descritivos que permitem compreender a missão social da profissão e balizar as ações dos enfermeiros. Estes enunciados encontram-se organizados em seis categorias: i) a satisfação do cliente; ii) a promoção da saúde; iii) a prevenção de complicações; iv) o bem-estar e o autocuidado; v) a readaptação funcional e; vi) a organização dos cuidados de Enfermagem.
A satisfação do cliente visa o respeito pelo mesmo em todas as suas dimensões, privilegiando a sua satisfação através da excelência dos cuidados. O conhecimento dos seus valores, da sua cultura e das suas tradições, assim como das suas crenças e expetativas, permite ao enfermeiro oferecer cuidados personalizados, com a igual envolvência dos significativos do cliente. A promoção da saúde permite ao enfermeiro desenvolver o potencial do cliente, identificando fatores de risco e fatores de proteção. Deve igualmente o enfermeiro proporcionar a evolução das capacidades do cliente, criando espaços em que as redes de apoio possam atuar.
A prevenção de complicações implica uma atuação rápida e eficaz por parte do enfermeiro, identificando problemas que se possam converter em situações graves. Com rigor científico, o enfermeiro deve prescrever intervenções de Enfermagem que permitam ao cliente um restabelecimento célere, mas seguro. O bem-estar e o autocuidado implicam um envolvimento pleno do enfermeiro nas ações que desenvolve, identificando quais as variáveis que possam prejudicar o equilíbrio do cliente e as áreas em que o mesmo necessita de ajuda. Não substituindo o cliente se não for necessário, o enfermeiro maximiza as capacidades do cliente para o autocuidado, intervindo de forma autónoma e independente.
A readaptação funcional proporciona ao enfermeiro um trabalho singular e único na comunidade. Estabelecer pontes entre os diversos contextos de suporte do cliente, e ajudá-lo a reconhecê-los, permite uma otimização de recursos que promove a adaptação do cliente às suas novas situações de saúde. A organização dos cuidados de Enfermagem convoca o enfermeiro a uma contínua procura pelo conhecimento, através de programas de formação ou educação contínua; igualmente o cumprimento dos rácios e a promoção de programas que visem a satisfação dos profissionais de saúde são importantes, pois contribuem para a primazia dos cuidados.
Embora todos estes temas sejam um pouco complexos para os estudantes de primeiro ano apreenderem, é necessário que os conheçam de imediato para que consigam identificar os primeiros passos no caminho da Enfermagem. A nós, aos enfermeiros mais velhos, voltar ao início ajuda-nos a não esquecer os caminhos já realizados e que nos permitiram chegar até este momento – não esquecendo também aqueles que, no passado, içaram as nossas bandeiras.
Uma última palavra aos estudantes do primeiro ano do curso de licenciatura em Enfermagem da Universidade do Minho: bem-vindos aquela que considero a melhor academia do país. A vossa responsabilidade na contínua qualidade desta academia é imensa, mas acredito que grandes voos vos esperam. Quanto a mim, conhecer-me-ão no segundo semestre. Até lá!
13 Junho 2025
06 Junho 2025
Com a sessão iniciada poderá fazer download do jornal e poderá escolher a frequência com que recebe a nossa newsletter.
Escolha as categorias que farão parte da sua página inicial.
Continuará a ver as manchetes com maior destaque.
Faça login para uma melhor experiência no site Correio do Minho. O Correio do Minho tem mais a oferecer quando efectuar o login da sua conta.
Se ainda não é um utilizador do Correio do Minho:
RegistoRegiste-se gratuitamente no "Correio Do Minho online" para poder desfrutar de todas as potencialidades do site!
Se já é um utilizador do Correio do Minho:
LoginSe esqueceu da palavra-passe de acesso, introduza o endereço de e-mail que escolheu no registo e clique em "Recuperar".
Receberá uma mensagem de e-mail com as instruções para criar uma nova palavra-passe. Poderá alterá-la posteriormente na sua área de utilizador.
Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos.
Deixa o teu comentário