Automatocracia
Ideias
2020-01-27 às 06h00
Há letras que despertam em nós uma reacção ubíqua de rejeição (por tão difícil de pronunciar e encontrar palavras) quanto de desafio (perante a magia encoberta que encerra). Há letras assim, que parecem não servirem para a comunicação por palavras mas que são centrais quando recorremos a símbolos e códigos.
A letra X é uma delas e, talvez, o expoente máximo e mais generalizado desta realidade.
Seguramente das letras geradoras de menor ocupação espacial no dicionário, a letra X é, recorrentemente, utilizada como símbolo e, assim, código de transmissão de mensagem e comunicação.
Usamos o X para sinalizar e formalizar uma opção ou voto; utilizamos o X para nomear a incógnita de muitas equações tradutoras de ausência de conhecimento e informação; recorremos ao X para expressar a multiplicidade e quantidade grande de opções, alternativas ou variações. A letra X é, assim, a contradição da sua inabilidade enquanto letra construtora de palavras e comunicação oral e do seu potencial enquanto fenómeno imagético e representativo de significados próprios e globalizados.
Na cidade, e a cidade, esta realidade também é uma constante e, não fugindo à regra, usamos e abusamos do X… três exemplos:
O X enquanto sinal de voto e escolha; o X enquanto preenchimento de um vazio de informação ou projecto; o X como multiplicador de acções, obras e promessas. Como tal, para a cidade, o X representa “tomada de posição” (e, consequentemente, compromisso), simboliza multiplicidade (e, como tal, oportunidade) e significa incógnita (e, assim, risco).
A cidade é feita de opções e da qualidade dessas mesmas opções. Começa de alguma forma nas eleições dos representantes da população para o seu governo e administração, prolonga-se no exercício governativo do seu quotidiano (com votações nos seus vários órgãos) e, agora e de forma cada vez mais alargada e generalizada, em processos paralelos de participação pública como o orçamento participativo ou referendos locais. E, ao ser assim, o X não deixa de exigir compromisso a todos e por todos: compromisso daqueles que elegem para que sejam racionais, equilibrados e façam bom uso do direito e dever concedidos. Compromisso dos eleitos para que exerçam as suas funções em nome de todos e em função do interesse e bem públicos. Não significa anonimato ou ausência de responsabilidade. Antes pelo contrário. É na liberdade individual e no recato da sua prática que se projecta essa mesma responsabilidade. E se acrescenta a ética: o bom exercício das nossas faculdades em função do bem maior.
Porque diversa e cheia de desafios e mutações, a cidade é feita e refeita por oportunidades e desafios, por uma multiplicidade de possibilidades – acções imateriais, cultura, desporto, educação, projectos, obras, infraestruturas, turismo, … - que conferem à mesma um dinamismo tal que é de todo indisfarçável… Quantas cidades não são, hoje, exemplo desta multiplicidade de desafios, inovação, oportunidades que o símbolo multiplicador do X tão bem representa?
Todavia, porque virada essencialmente para o futuro e alvo de um processo tão acelerador de mudança, a cidade é também momento de incógnita, de incerteza e de insegurança relativamente ao momento seguinte (o que, talvez, justifique a centralidade do planeamento numa cidade: a necessidade de antecipar e adivinhar o futuro para melhor acomodar o confronto com esse mesmo futuro? Na verdade, para muitos, o planeamento é um acto racional de tentativa de domínio do futuro. Para outros é a melhor forma de gerar as condições necessárias para o dia de amanhã. Para tantos outros, o planeamento não deixa de ser um acto de fé, acreditando-se que o que hoje se decide e antevê, amanhã será mesmo assim. É momento de risco e, dir-se-á mesmo, de fragilidade que se acentua sempre que a descoberta do nome e do conteúdo do X (enquanto incógnita) não for materializada…
Seja como for, X significa diversidade e riqueza de uma cidade que, se bem usado e reclamado por todos, levará a que a mesma cidade seja, cada vez mais, participada e melhor governada, seja progressivamente mais rica e múltipla em conquistas e seja, dia após dia, maias habilitada a suprir e ultrapassar os seus riscos e fragilidades.
O X não deve, e não pode, significar empate no mundo urbano. No 1 X 2 tão maniqueísta, que tantas vezes é o suporte de inúmeras discussões e reflexões sobre a cidade, o X não pode significar indecisão ou inacção, expectativa ou paragem. Antes, entre os extremos, deve significar o equilíbrio e a ponderação. A síntese necessária para fazer caminho. E dar um passo mais para a frente…
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