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A inovação deve ser totalmente democrática
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A inovação deve ser totalmente democrática

Entrevistas

2021-02-06 às 06h00

José Paulo Silva José Paulo Silva

João Matos é administrador executivo do dstgroup. Tem a seu cargo áreas como a pesquisa e a inovação. Em entrevista ao Correio do Minho e a Rádio Antena Minho faz o ponto de situação de sete grandes projectos de investigação cofinanciados por fundos europeus e em que o grupo empresarial está envolvido com outros parceiros.João Matos realça também o peso da inovação interna no dstgroup. Meio milhar de colaboradores participam em quase uma centena de projectos.

Citação

P - O ‘dstgroup’ tem na inovação um dos pilares da sua estratégia de crescimento e desenvolvimento. O que caracteriza e diferencia o ecossistema de inovação do grupo?
R - Aquilo que diferencia é precisamente ser um ecossistema e não apenas uma ou duas áreas que são trabalhadas. É um sistema muito abrangente que permite criar mecanismos de interacção e cooperação entre intervenientes, sejam internos ou externos, com diferentes características e conhecimentos. Porque é que dizemos que é um ecossistema? Temos um pilar que é a ligação à academia, temos o pilar da inovação e o nosso sistema de gestão de inovação, temos outro pilar que é o empreendedorismo e a ligação ao capital de risco e, ainda, o pilar da investigação e desenvolvimento, realizado normalmente em parceria com as universidades e outras entidades do sistema científico.

P - Podemos dizer que o ‘dstgroup’ não tem um departamento de inovação e que, sim, todo o grupo trabalha com o dever de inovar?
R - Sim, o nosso modelo organizacional é esse. Nós não confinamos a inovação um gabinete e a um conjunto de pessoas. Temos duas pessoas que são ‘innovation manager’, temos grupos de inovação e temos ainda os chamados GLI, que são gestores locais de inovação.?Temos a interpretação da inovação em todos os trabalhadores. Achamos que a inovação deve ser totalmente democrática. Queremos ter a maior granularidade possível, chegar ao maior número de pessoas dentro da organização e obter o seu contributo.

P - Qual a importância do ‘living lab’ dentro do complexo industrial DST? Como é que ele se concretiza?
R - O nosso ‘living lab’ surge da necessidade de testar diferentes tecnologias e diferentes soluções. Uma vez que temos um complexo industrial de grandes dimensões, podemos testar um conjunto de soluções que queremos levar ao mercado. Por exemplo, nós temos uma solução se sensorização dos rios e foi possível testá-la e desenvolvê-la dentro do nosso complexo industrial porque temos um pequeno curso de água que atravessa o complexo industrial. Temos uma plataforma, a Mosaic, que agrega todas as soluções de internet of things(IoT) que desenvolvemos, que vamos testando e acrescentando camadas. No ‘living lab’ testamos a qualidade do ar e a produção de energia fotovoltaica, sensorizamos ecopontos, a iluminação e parques de estacionamento, temos postos de carregamento de viaturas eléctricas, temos uma estação meteorológica, enfim, toda uma panóplia de variáveis.

P - O vosso complexo industrial é um grande laboratório que têm disponível?
R - Sim. É um grande laboratório vivo de tecnologia e um grande espaço de arte também.

P - Há uma preocupação do ‘dstgroup’ em investir na Cultura. Como gestor, como avalia essa opção? Não é apenas marketing?
R - Não. Pelo contrário, é uma aposta que já tem muitos anos. Quando cheguei ao grupo há 14 anos, já era assim e tem-se aprofundado. Esta aposta traz grandes benefícios ao funcionamento da organização e ao desenvolvimento do negócio, porque a arte fomenta muito a criatividade, e não há inovação sem criatividade. O curso de Filosofia que estamos a desenvolver neste momento, com a duração de dois anos, consome tempo às pessoas, mas é um tempo investido na formação de outras competências que são fundamentais no desenvolvimento do trabalho.

P - O dstgroup não funciona apenas como mecenas de estruturas e projectos artísticos da comunidade envolvente. É uma aposta que fazem questão de tê-la dentro do grupo?
R - É uma aposta não apenas para fora, é construída no dia a dia, dentro de portas e que não se limita a espaços físicos. Mesmo os nossos ‘innovation talks’ são diferentes.Os três últimos foram dedicados à música. Se calhar, estariam à espera de algo tecnológico, mas este ano não foi.

A digitalização é transversal a todos os nossos projectos de investigação

P - O dstgroup tem assumido parcerias estratégicas com instituições de ensino superior e de investigação. Podemos falar de uma ‘academia DST’?
R - Não temos uma academia do ponto de vista formal. Temos uma forte ligação aos centros de formação profissional e de ensino superior, há uma forte aposta no reforço das capacidades dos nossos quadros. Temos uma formação orientada para as competências técnicas, mas também para as de gestão e as comportamentais. Exemplo disso são as formações que estão a decorrer em Filosofia e em Neurociências. Temos feito com a Universidade do Minho, a Porto Business School e a Universidade Católica Portuguesa cursos à nossa medida. Temos duas cátedras com a Universidade do Minho. Promovemos que as pessoas façam doutoramentos e mestrados. Procuramos encontrar novos líderes dentro de portas e fazer as pessoas crescerem dentro da sua carreira profissional. Não há a formalização de uma academia, mas existe de facto uma academia.

P - Referiu duas áreas que poderão ser, à partida, ‘estranhas’ ao mundo empresarial e a um grupo que é sobretudo industrial: a Filosofia e as Neurociências. Há ganhos objectivos com este tipo de formações?
R - Estou convencido que sim, porque moldamos outras competências que não apenas as técnicas. Não é possível ter bons profissionais se, para além das competências técnicas, não houver competências comportamentais.
Como já disse, a Filosofia ajuda muito na formação da criatividade, do juízo crítico e da formação de uma opinião. Ajuda a não ficar na sabedoria técnica que já se tem.

P -?Quando abordamos a produtividade temos de falar deste tipo de ferramentas?
R - O efeito imediato pode ser uma quebra de produtividade. Por exemplo, no curso de Filosofia, durante uma hora, 300 pessoas, 52 semanas durante dois anos não estão, alegadamente, a produzir. Essa é a leitura imediata, mas nós estamos mais preocupados com o médio e longo prazo. Essas horas vão traduzir-se em maior capacidade de produção com uma maior valor acrescentado. É preciso olhar para além do imediato.

P - Afirmou recentemente que “nas universidades e nos centros de investigação há muito conhecimento que está a ser gerado e que nos pode ajudar a nós, e nós, com a nossa experiência e com o ‘know how’ que temos, conseguimos dar a visão empresarial a esses projectos”. Têm conseguido concretizar estes desafios?
R - Entramos num outro pilar da nossa actuação que é o empreendedorismo. Nessa área, temos a empresa DST Ventures, através da sociedade gestora de capital de risco 2bpartner, gere um fundo de capital de risco, o Minho Inovação Internacionalização, que já está, entretanto, fechado e em fase de acompanhamento das participadas. Mas, desde 2009 que temos conseguido apoiar vários projectos. Actualmente, a dstventures apoia projectos directamente e mais próximos com o nosso negócio, do qual são exemplo a Level, que surge da ligação às universidades e à BIM+.

R - Quais os principais projectos de investigação que o dstgroup tem em curso, em parceria com outras empresas e instituições de investigação?
R - Desde finais de 2019, temos sete projectos de investigação e desenvolvimento cofinanciados. A todos eles é transversal a digitalização. Começando pela área da energia, temos o projecto ‘Baterias 2030’, que no fundo vê as baterias como elemento central para a sustentabilidade urbana. Pretende-se testar baterias de futuro com base na energia renovável de várias fontes. Este projecto tem um orçamento de 8,5 milhões, a líder é a empresa dstsolar, que tem vários parceiros científicos: Universidade do Minho, INESC TEC, Universidade do Porto, Instituto Superior Técnico, CENTITVC, LNEG, CEIIA e INESC MN, para além de várias empresas, num total de quase 30 parceiros.
Outro projecto, o ‘Building HOPE’ resulta de parcerias internacionais, nomeadamente com a Carnegie Mellon University, para além do Instituto Superior Técnico e a Universidade do Minho. A líder é também a dstsolar e tem um orçamento de três milhões de euros. Aqui o que se pretende é criar uma ferramenta para optimizar holisticamente a produção e o consumo de energia, sobretudo nos edifícios comerciais. Ainda dentro do domínio das parcerias internacionais, temos o projecto K2D com o MIT Portugal. A líder é a dstelcom, tem um orçamento de três milhões de euros e os parceiros são a Universidade do Minho, INESC TEC, Universidade dos Ac?ores, Univesidade do Algarve, o Air Center e, claro, o MIT, Pretende-se monitorizar e analisar os sistemas terrestres, sobretudo nos oceanos, e os resultados dos impactos na actividade humana.?Porquê a dstelecom? Porque no fundo do mar temos uma infraestrutura que são os cabos submarinos e, contrariamente ao que as pessoas pensam, a maior parte do tráfego de internet, cerca de 97%, passa pelos cabos submarinos.?Mas esses cabos são cegos e surdos e nós queremos torná-los mais inteligentes e que possam sensorizar o oceano, combinada essa sensorização com veículos autónomos subaquáticos. O nosso interesse é trazer informação para os cientistas.

P - Em que fase estão estes três projectos?
R - Em fase de arranque.

P - Quer fazer uma pequena radiografia dos restantes quatro projectos?
R - No projecto Aeros Constellation não somos líder, é a empresa Edisoft. Trata-se de uma parceria internacional com o MIT que visa o desenvolvimento de um nano satélite que seja o precursor de uma constelação de satélites de pequena dimensão, que têm um baixo custo no seu lançamento, que permanecem menos tempo no espaço, mas que permitem recolha de informação relevante.
Temos depois dois projectos nos domínios da construção e da economia circular. Um deles é o RENEw-Resíduos na construção para uma economia circular. Visa o desenvolvimento de betões estruturais e betões betuminosos a partir de resíduos. Aqui a líder é a dst, em parceria com a Universidade do Minho, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro e| Centro para a Valorização de Resíduos. Outro projecto é o CirMat, desenvolvimento industrial de materiais de construção inovadores a partir de resíduos de construção. O promotor é também a dst. Mais recentemente, temos um projecto da Level, o GeoCrit - Sistemas de nova geração para a monitorização e gestão de infraestruturas geotécnicas críticas, ou seja, pretende-se monitorizar taludes e muros para antecipar problemas decorrentes de desmoronamentos potenciados pelas alterações climáticas.

P - As ideias destes projectos nasceram no dstgroup ou foram desafios colocados ao grupo?
R - Há um diálogo que nós pretendemos que seja o mais permanente e mais flexível possível com estas entidades que permita o conhecimento mútuo. Assim, alguns são desafios que entidades do sis- tema científico nos fizeram e outros partem de nós.

P - Para além de abordarem áreas de ponta no domínio do digital e das telecomunicações, há aqui projectos ligados à própria origem do dstgroup. O presidente do conselho de administração, José Teixeira, faz questão de referir a pedra como origem do grupo. É importante manter essa identidade?
R -?Eu acho que sim. É muito bom não esquecer as nossas origens, seja em contexto empresarial, seja em contexto pessoal. Podemos trabalhar essa origem de várias maneiras, ela não tem de ser redutora. Há muita tecnologia que podemos utilizar em cima da pedra ou da matéria.

P - Pode fazer-se inovação numa actividade vista como tradicional?
R - Claro. Há muito espaço de inovação, seja ao nível dos materiais, da criação de novos processos. Hoje [4 de Fevereiro] é lançado o SKA, um projecto de varrimento do espaço para recolha de informação no qual Portugal é um dos países fundadores. Estamos a tentar fazer a nossa parte nesse projecto, combinando a informação que tem de ser transmitida através de uma infraestrutura de conectividade, a energia para sistemas que vão estar no deserto e software.

P - Estamos a iniciar um novo Quadro Comunitário. O dstgroup estará atento a novas oportunidades de financiamento. Que perspectivas tem nesta altura?
R - Temos de estar atentos. Os projectos que estamos a desenvolver estão já muito enquadrados no que vão ser as novas ‘call’: o ‘green deal’ e a sustentabilidade. Aliás, a sustentabilidade está presente no dstgroup desde sempre. O novo quadro comunitário vai estar muito alinhado com aquilo que já estamos a fazer agora.

P -?E têm capacidade para apresentar novos projectos, uma vez que os que referiu estão numa fase inicial?
R - Temos ainda alguns projectos candidatados dos quais não sabemos os resultados. Para além destes, temos projectos internos de inovação. Temos 450 a 500 pessoas envolvidas em quase 100 pequenos projectos de inovação.

P?- Projectos de autofinanciamento do grupo?
R - Sim. Há projectos de inovação mais imediata, incremental, para resolver determinados problemas. Outros que são de médio e longo prazo e que visam aumentar receita, reduzir custos ou aumentar a produtividade. Ou então projectos mais disruptivos, de produtos ou serviços que venham a ser consumidos no futuro e que já estamos a trabalhar internamente. Estes projectos podem ou não evoluir para projectos cofinanciados com outros parceiros.

P - É possível calcular o investimento que o dstgroup faz em inovação, ou isso é difícil pelo facto de o tal ecossistema ser transversal?
R - Uma parte fácil de quantificar é o investimento nestes projectos cofinanciados e nos projectos de capital de risco. O volume de horas que as 450 a 500 pessoas dispendem em projectos de inovação é difícil de quantificar. Portanto é difícil de quantificar o investimento total do grupo em inovação, investigação e desenvolvimento.

P -?Esses projectos, internos e externos, influenciam decisões mais estratégicas do dstgroup, no sentido de avançar para novas áreas de negócio?
R - Há uma interacção muito forte entre as duas coisas. O nosso primeiro ponto da agenda em todos os conselhos de administração é a inovação.
Só depois é que vamos discutir números, o curto prazo, as vendas, os custos e outros indicadores.

Manter o nervo e a inquietação de uma startup

P - Disse recentemente que o dstgroup, apesar da dimensão que tem em termos de trabalhadores e facturação, quer manter o espírito de startup...
R - As organizações quando crescem criam vícios. Numa organização que tem duas mil pessoas, dar voz a todas elas torna-se difícil. Muitas vezes a quem está próximo do problema e que tem boas soluções. Numa startup isso não acontece. A nossa lógica é procurar manter o nervo, manter a inquietação que uma startup tem. Não haverá nada pior que uma empresa acomodar-se a vender o seu produto ou serviço. Esse é o momento em que vai ser ultrapassada.

A pandemia acelerou tendências de digitalização e trabalho remoto

P- É inevitável não falarmos da pandemia que, em maior ou menor grau, afecta a vida das organizações e das empresas. Concretamente na área da inovação, até que ponto os confinamentos e restrições podem afectar o desenvolvimento dos vossos projectos ?
R - Houve uma fase inicial de adaptação. Felizmente, no grupo já tínhamos várias ferramentas que nos permitiam trabalhar à distância e que, se calhar, não eram tão exploradas. Na fase inicial houve que uma adaptação ao choque. Neste momento, todos os projectos estão a decorrer como esperado. Temos reuniões remotas entre todos os participantes. Haverá uma parte que irá exigir maior esforço que é a componente física dos projectos. Há projectos que vão obrigar a ter instalações físicas, que vão ter impacto. Nunca parámos a nossa produção com todos os cuidados. Foi feito um grande esforço para dar todas as condições de segurança para que todas as pessoas pudessem continuar a trabalhar.

P - A administração do dstgroup tem relevado o facto de não ter parado e até ter tido algum incremento de actividade e de contratações. É importante, passada a fase de choque perante o embate da pandemia, entrar numa certa normalidade? As organizações empresariais terão de mudar alguma coisa?
R - Inevitavelmente, vamos ter mudanças. Eu acho que a pandemia acelerou uma tendência que já estava lá: a digitalização. O que a pandemia fez foi carregar no acelerador nalgumas tendências e caminhos que demorariam mais anos a ser executados. A tendência do trabalho remoto vai permanecer, não com a mesma intensidade de agora com toda a certeza. Ambas as partes, empregadores e trabalhadores, olham para o trabalho remoto de maneira diferente. A multiplicidade de reuniões que se tinha e a pouca produtividade que se tinha, sobretudo para quem está mais afastado dos centros de decisão, isso acontecia. Nos últimos anos, não sei quantas vezes fui a Lisboa para ter uma reunião de uma ou duas horas, apesar de todo o planeamento de agenda. Actualmente, percebeu-se que não é necessário ter esse número de reuniões tão grande e que é necessário optimizar. Desse ponto de vista, as coisas vão também mudar. Obviamente que é importantíssimo o contacto pessoal e isso não vai ser substituído pelo digital, mas o digital vai crescer no seu espaço e na sua utilização.

P - No fundo, esta pandemia permitiu ultrapassar alguns obstáculos e resistências que ainda poderiam existir no caminho da digitalização?
R - Acho que sim. Acelerou e fez com que empresas que estavam pior preparadas se preparassem. Quem não tinha uma plataforma para comunicar facilmente teve de a adquirir, não teve como. Nós já tínhamos essa ferramenta. Tivemos que criar novos processos e novas rotinas. Por exemplo, passámos a fazer uma reunião diária, muito curta, todas as equipas de trabalho, logo no início do dia, em que há uma partilha daquilo que cada um vai fazer, porque não há possibilidade de juntar todos ao longo do dia como acontecia antes da pandemia. É uma forma de manter o contacto e proximidade do grupo de trabalho e manter o planeamento actualizado.

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