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Entrevistas

2019-12-14 às 06h00

José Paulo Silva José Paulo Silva

José Vieira, professor catedrático da Universidade do Minho, foi recentemente eleito presidente da Federação Mundial das Associações Profissionais de Engenharia (WFEO), organização que representa cerca de 30 milhões de profissionais em todo o mundo.

Citação

José Vieira, professor catedrático da Universidade do Minho, foi recentemente eleito presidente da Federação Mundial das Associações Profissionais de Engenharia (WFEO), organização que representa cerca de 30 milhões de profissionais em todo o mundo.

P - O que significa a eleição de um português para Federação Mundial das Associações Profissionais de Engenharia (WFEO)?
R - Para além de ser uma honra Portugal presidir a esta Federação Mundial, a eleição é também um certo reconhecimento da engenharia portuguesa a nível internacional. Actualmente, sou presidente da Federação Europeia.

P - A sua candidatura foi proposta pela Ordem dos Engenheiros?
R - Quem propõe é sempre uma entidadenacional.

P - Teve concorrentes?
R - Tive. A concorrência foi muito forte. A eleição foi renhida. Em 80 votos, eu tive 41, contra 37 do outro competidor, um colega e amigo esloveno. Não foi fácil, porque a WFEO, para além da representação das associações nacionais, tem as confederações continentais que fazem o seu lóbi fortíssimo. Esta eleição também teve um antecedente interessante: eu enquanto presidente da Federação Europeia das Associações Nacionais de Engenharia, fiz vários protocolos com as federações americana, africana e da Ásia-Pacífico. Por aí houve um certo lastro de apoio.

P - Que papel e peso tem a WFEO na relação com os diversos Estados?
R - Tem um papel muito importante em termos políticos, no sentido de influenciar programas mundiais, nomeadamente ao nível das Nações Unidas. Esta organização tem a particularidade de estar sediada na UNESCO, em Paris. Em todos os programas de capacitação e de formação na área da Engenharia nós somos parceiros.?Nós temos várias comissões técnicas e científicas que elaboram documentos de suporte para as próprias Nações Unidas. É o caso, por exemplo, do nosso Comité de Desastres Naturais, chamado a produzir documentos que são depois distribuidos por todos os países.

P - O peso desta Federação Mundial reflecte-se na adopção de medidas políticas e de acções práticas por parte dos Estados?
R - A WFEO não é uma organização política, mas no respaldo das comissões técnicas e científicas, é ouvida. Temos uma comissão anti-corrupção que produz recomendações para os programas internacionais de apoio onde há muita liberdade para outras coisas que funciona e que tem ditames muito interessantes. Mais do que lóbi, fazemos aconselhamento. Há duas, três semanas, a UNESCO instituiu o Dia da Engenharia para o Desenvolvimento Sustentável, que se comemorará, pela primeira vez, a 4 de Março, o que é o reconhecimento da Engenharia como uma peça muito importante para a definição de políticas importantes como o reconhecimento mútuo de diplomas de formação e de competências.

P - Defende um papel interventivo da Engenharia na resposta às alterações climáticas.
R - A WFEO tem um comité para esta área. Quando se fala das alterações climáticas e da quarta revolução industrial, as pessoas não focam muito bem o papel da Engenharia. Como costumo dizer, o engenheiro é o protagonista da inovação. Sem- pre o foi.?Se recuarmos à 1.ª Revolução Industrial, à invenção da máquina a vapor, isso tem a ver com mudanças sociais fortíssimas. Depois vem o petróleo com a 2.ª Revolução Industrial e depois a energia nuclear com a 3.ª Revolução Industrial. Agora estamos na 4.ª Revolução Industrial, protagonizada novamente pelos engenheiros, mas em que o ponto de partida não é uma nova fonte de energia, mas sim a digitalização.

P - Mas também com consequências sociais.
R - Brutais. Estamos a assistir a isso quando falamos da internet das coisas. da indústria 4.0, da robotização, que têm consequências na mobilidade urbana, na nossa casa. É mais uma revolução com a Engenharia no centro.

Plano Engenharia 2030 é para aliviar a pobreza e proteger o ambiente

P - A sua eleição para a WFEO acontece num momento em que as engenharias começam a ganhar novo protagonismo?
R -?Não sei se será assim. Em termos mediáticos, sim. Agora, quando abrimos uma torneira não nos apercebemos da Engenharia que está por trás. A Engenharia da 4.ª Revolução Industrial vê-se num computador ou num telemóvel. Sentimos mais a presença da Engenharia. Estamos a assistir, nos países ocidentais e também na China, a um movimento brutal de digitalização da sociedade, mas, ao mesmo tempo, numa outra parte do?Mundo, mil milhões de pessoas não têm acesso a água potável, 2,4 mil milhões não têm acesso a saneamento básico, 800 milhões praticam defecação a céu aberto. O Mundo é muito desigual. O objectivo do programa das Nações Unidas de desenvolvimento sustentável é o ‘gap’ não deixar ninguém para trás, não deixar que esse ‘gap’ aumente. A tendência é para aumentar e com consequências sociais muito grandes. A Europa está a sentir isso com as migrações fortíssimas de pessoas que não têm um dólar para comer, não têm água, não têm esgoto, não têm uma escola. Para uma sociedade beneficiar plenamente das tecnologias e da inovação tem de ter pessoas qualificadas. A preocupação da WFEO é a capacitação de pessoas na América Latina, na África Subsariana, na Índia.

P - Podemos estar a assistir a uma situação paradoxal com pessoas sem acesso a água e saneamento, mas com acesso a um telemóveis de última geração?
R - É um paradoxo, sim. Tenho comigo a imagem de um homem africano com uma lança, um arco e um telemóvel.

P - A solução não é tirar-lhe o telemóvel...
R - Com certeza que não.?A questão é que o telemóvel ou o computador permitem às pessoas aceder à informação sobre outras sociedades que têm tudo e a dele não tem nada. Isso é dramático.?A grande migração africana que está a vir para a Europa tem muito a ver com isso. As pessoas têm informação suficiente para perceber que as condições que têm actualmente não são dignas e procuram essa dignidade numa outra paragem onde sabem que ela existe. Não é por acaso que eles escolhem os países para onde querem ir.

P - Menciona a democratização tecnológica da sociedade e o desenvolvimento sustentável. Qual é o papel da Engenharia?
R - Se nós criarmos condições de vida básicas para as populações:?a casa, a água, o saneamento, a electricidade e a escola, as sociedades menos desenvolvidas vão progredir e vamos atenuar a tendência de migração. Com estes movimentos migratórios perdem os países de origem e os de chegada.

P - O principal foco do Plano de Engenharia 2030, que foi agora definido pela WFEO, alinhado com os objectivos de desenvolvimento sustentável das Nações Unidas, é criar condições que evitem esses fluxos migratórios?
R - Sim, sim. Este Plano tem preocupações várias. Uma delas é aliviar a pobreza com programas de infraestruturação e de capacitação das pessoas. Por outro lado, há uma preocupação com os princípios éticos da digitalização. A ideia é fazer Engenharia para benefício da Humanidade e para a protecção do Ambiente, basicamente, o desenvolvimento sustentável. Estamos a falar de aproveitar toda a evolução de sensores e de satélites para, por exemplo, elaborar programas de previsão e gestão de desastres naturais. A própria economia verde também está dentro desta lógica.

P - Os engenheiros são vistos como pouco amigos do Ambiente...
R - O plástico foi uma grande conquista e uma grande inovação da Engenharia e agora temos de arranjar um substituto. Mas sempre foi assim.

P - Neste seu mandato na WFEO há a preocupação de colocar os engenheiros na luta pela preservação do meio ambiente.
R - Claro. Quando falamos de engenheiros, não podemos falar só dos engenheiros civis ou químicos. Temos engenheiros ambientais, biomédicos, da electrónica e da inteligência artificial, da mecânica. A descarbonização é um tema actual, porque todo o nosso desenvolvimento tecnológico provoca essa carbonização. Como vamos reverter essa situação?

P - Terão de ser os engenheiros a resolvê-la?
R - Claro. Mas temos movimentos não coincidentes. Enquanto que a União Europeia está à frente nesta batalha, a China e a Rússia estão com grandes programas de centrais térmicas a carvão. Há movimentos que são contraditórios, mas há um sinal que nós queremos dar para fazer o desenvolvimento sustentável, que é fazer com que as pessoas tenham uma boa vida. A ideia da Engenharia é dar bem estar às pessoas e proteger o meio ambiente. Quando sabemos que para ter água canalisada em casa temos de produzir dióxido de carbono, temos de optar. Eu prefiro ter água em casa. O progresso e o desenvolvimento têm de ter sempre a preocupação de perspectivar as consequências ambientais.

P - O desafio é que o progresso crie menos constrangimentos à vida das pessoas?
R - É um ponto interessante. Na viragem do século XIX para o século XX, grande problema ambiental das grandes cidades do Hemisfério Norte era o excesso de estrume de cavalo nas ruas, porque o transporte colectivo e individual era através de carroças e carruagens puxadas a cavalos.
Houve uma conferência mundial para resolver esse problema das cidades e não se chegou a conclusão nenhuma. Quem resolveu o problema foi o senhor Ford com a produção de automóveis em série. A evolução tecnológica resolveu um problema da sociedade e criou outro que é a produção de CO2. Estou convencido que a Engenharia resolverá também este problema que estamos aqui a debater.

P - Não acredita que medidas mais individuais possam resolver o problema global do Planeta?
R - Terá de haver uma solução global. A procura de novos materiais está na berra: o hidrogénio como combustível, o lítio para as baterias.

P - Como vê toda a polémica criada à volta da extracção de lítio?
R - Não é o único produto que pode resolver o problema. O lítio vai-se exaurir, pode esgotar-se, não sei se vai ser solução por muito tempo. Nós inventámos a energia nuclear e ninguém quer falar dela, essencialmente por causa dos resíduos. A forma como os depositamos é problemática. Por muito que façamos individualmente as coisas, não vamos resolver nenhum problema.?Vamos resolver os problemas se todos fizermos a nossa parte. Por exemplo, a União Europeia vai apresentar um novo programa de combate às alterações, mas se a Rússia e a China conseguirem investir a sério nas centrais térmicas...

P - E a WFEO pode ter algum papel de convencer os estados mais poderosos?
R - Aí está o nosso pequeno contributo.

P - Vai ter de ser a Ciência a tentar encontrar uma solução para contrariar o sentimento instalado de que estamos a caminhar para o precipício?
R - Ao longo da nossa História tivemos sempre essa ideia de que o Mundo iria atingir o seu fénix. Estou convencido que haveremos de arranjar sempre soluções. Temos cada vez mais conhecimento do funcionamento da Natureza. Julgo eu que as pessoas não são assim tão pouco inteligentes que vão dar o último passo para o precipício.

P - Presidiu à Associação Portuguesa de Engenharia Sanitária e Ambiental e escreveu recentemente um livro sobre água e saúde pública. Estamos numa situação de esgotamento do recurso água?
R - A nível global, vamos ter, cada vez mais, fenómenos extremos de cheias e precipitações e, no outro lado da moeda, secas também extremas. O grupo das Nações Unidas que trabalha o problema das alterações climáticas o que diz é que as zonas do Globo onde há maior precipitação vão ter fenómenos como furações cada vez mais frequentes e, nas zonas onde há menos água, esta carência será ainda mais extrapolada. Uma das minhas últimas áreas de intervenção são os planos de segurança da água, que têm em atenção a preparação das populações para o excesso ou falta de água. Em Portugal, a principal preocupação é que a precipitação não é uniforme ao longo do ano. Além disso, temos o Norte com mais precipitação e o Sul com muito pouca precipitação. A maior parte dos nossos caudais são de rios internacionais. Temos de nos subordinar à gestão da água que é feita em Espanha. O grande objectivo da barragem de Foz Coa era criar uma reserva estratégica de água e fazer o transvase para o Sul. Nos planos de segurança da água vemos a sua qualidade e fazemos a previsão de fenómenos extremos para criar alternativas de abastecimento.

P - Para, no futuro, evitar as guerras da água terá de haver uma solidariedade no sentido de repartir um bem que, aparentemente, é escasso?
R - Estamos a falar de um outro problema muito importante que são as reservas estratégicas de água.

P - Portugal tem essa reserva estratégica?
R - Não. Fizemos uma coisa interessante no Alqueva, que é uma reserva estratégica de água para o Alentejo. Se queremos preparar a falta de água devíamos ter outros.

P - Ainda há um índice de desperdício de água significativo?
R - O desperdício é um chavão. A maior parte do consumo da água não é humano, estamos a falar de 8 ou 9 %. Temos maior consumo é na indústria, uns 15%, e a maior fatia é na agricultura. Quando estamos a falar de rupturas de água numa cidade, estamos a falar de água que foi tratada, que foi desinfectada. Não é racional deixar que essa água se perca. Outra discussão que existe no meio científico é termos redes de abastecimento de água que servem para beber, cozinhar, regar o jardim, lavar o carro e fazer a descarga do autoclismo. Já há experiências de duplas redes de abastecimento, com alguns problemas, sobretudo, com crianças que as não distinguem. Há cidades que já só usam a água da chuva, como Gibraltar.

Carência de engenheiros ainda não foi resolvida

P - Ao longo desta conversa transparece a ideia de que as engenharias estão a atravessar um bom momento. Em Portugal, já se passou o período complicado pelo qual passaram algumas engenharias como a Têxtil ou a Civil?
R - Isso tem muito a ver com o mercado de emprego. Tivemos na Universidade do Minho um período de quebra bastante acentuada de alunos de Engenharia Têxtil. Mais tarde, com a crise na construção civil, também tivemos uma quebra enorme na apetência para o curso de Engenharia Civil. Esta quebra ainda não foi resolvida totalmente, até porque a maioria dos institutos politécnicos ainda não tem Engenharia Civil, só há alunos nas universidades.

P - E há muitas empresas a reclamar engenheiros civis...
R - Está a chegar a onda da diminuição de alunos nesta área a temos de importar engenheiros civil do Brasil. Também há a quebra demográfica, que é outra coisa interessante. Um número significativo de alunos da Universidade do Minho já não portugueses, são brasileiros e de outras nacionalidades. Na crise de 2008 e 2009, houve muita emigração de jovens talentosos e muito bem formados que agora dificilmente regressam para colmatar a falta de profissionais. Quando houve a grande crise no sector da construção civil, as empresas portuguesas foram para o exterior, para os mercados da América Latina, de África e da Europa de Leste. Quem foi com essas empresas? Os jovens engenheiros que dificilmente regressam. Se fizermos os grandes investimentos na ferrovia, que vamos ter de fazer... É uma aposta séria na próxima Legislatura. Precisamos de muita engenharia nessa área.

P - Há um atraso significativo na ferrovia em Portugal?
R - Muito, muito grande. Não sei porquê. Eu já fiz uma proposta, há não sei quantos anos, quando era vice-reitor da Universidade do Minho, para uma ligação ferroviária Braga-Guimarães. Eu faço todos os dias o percurso Braga-Guimarães e vejo a quantidade enorme de CO2 que emitimos com as filas de carros à saída de Braga e à entrada de Guimarães. A distância entre Braga e Guimarães é perfeitamente irrisória para uma ligação ferroviária. Fica aqui mais uma proposta da Engenharia.

P - De tempos a tempos vai-se falando da necessidade dessa ligação. Essa sua proposta era já um esboço de linha?
R - Sim. Estou a falar de uma proposta com quase 20 anos.

P - É um investimento muito vultuoso?
R - Depende do traçado: se é para dar a volta à montanha ou para fazer um túnel, o que era ambientalmente mais agradável. O túnel fica mais caro, mas encurta enormemente a distância.

P - Essa proposta foi antes da auto-estrada?
R - Antes e depois. E eu hei-de voltar a falar disso.

P - É um projecto a assumir pelas câmaras municipais de Braga e Guimarães?
R - Sim. Ou então pelo Governo. Fizeram-se grandes investimentos ferroviários a ligar Almada e Lisboa. Ninguém faz contas ao dinheiro que foi necessário para aumentar o tabuleiro da ponte 25 de Abril. Alguém faz contas às extensões do Metro de Lisboa? Não, ninguém faz. É por isso que temos de pensar na regionalização. Eu percebo que as câmaras de Braga e Guimarães não têm dinheiro para investir na ferrovia, mas com todos os apoios à sustentabilidade e à descarbonização, às tantas arranjamos um pretexto e uma justificação política para resolver o problema.

P - Já agora com o apeadeiro no Parque Tecnológico das Taipas?
R - Pode ser (risos).

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