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Duvido que se venha  a extrair lítio em Portugal

Entrevistas

2019-07-06 às 06h00

José Paulo Silva José Paulo Silva

Professor na Universidade do Minho e geólogo, Carlos Leal Gomes tem desde há muitos anos estudado as jazidas de lítio em Portugal. Em entrevista à Antena Minho e ao Correio do Minho, alerta para o excesso de euforia à volta da possível extracção lítio e para as suas consequências ambientais. Defende que o Estado devia criar uma “empresa nacional do lítio" que garanta transparência e rigor nos diferentes momentos do processo.

Citação

P - A temática da prospecção e extracção de lítio em Portugal e em especial na zona Norte estão na ordem do dia e rodeada de muita polémica. É possível harmonizar a sustentabilidade, a descarbonização da sociedade com a exploração do lítio?
R - É uma questão que sigo há muitos anos. Não pela utilização do lítio, como agora se fala mas pela descoberta das jazidas. O lítio tem sido usado ao longo do tempo de muitas formas. A psiquiatria - por exemplo - usa muito o lítio no tratamento de distúrbios bipolares. A questão que se coloca actualmente é haver um novo paradigma para a locomoção automóvel e para o armazenamento de energia, passando o lítio a ter uma função que não tinha no passado.

P - Melhor do que outros elementos?
R - Com uma eficiência que outros não têm. A sua abundancia é maior do que outros elementos que poderiam ser usados nessa aplicação energética. O lítio é um elemento que reage muito à inovação científica. Nós não sabemos que esta situação que se está a viver agora vá perdurar muito no tempo. Pensa-se que sim.

P - Quando se fala da prospecção e da extracção aqui no Norte de Portugal é um pouco excessivo falar do conceito de 'petróleo branco'?
R - Eu já achava extraordinário quando as pessoas se referiam à América do Sul, aos jazigos em salmoura na Argentina, Chile e Bolívia, como “o Golfo Pérsico do lítio”. Sempre achei excessiva essa designação. Eu tenho feito investigação naquilo que se considera serem os jazigos de lítio no nosso país. Portugal não tem jazigos com a dimensão de outros países que estão a ser trabalhados nesse domínio. Na Austrália há um jazigo - que tem uma zona enriquecida com muita espodumena, que é um dos minérios mais importantes de lítio - com um quilómetro de comprimento por 500 metros de largura. Tem uma percentagem de 5% de lítio na unidade com espodumena. Em Portugal não temos nada disso. Temos uns filões que no máximo chegam aos dez metros e com extensões de ordem hectométrica e não quilométrica. Os teores são de 1% de óxido de lítio. Portanto, eles têm cinco vezes mais no teor de lítio e têm 10 vezes mais na tonelagem.

P - Sendo assim, como é que se explica este interesse, principalmente de empresas australianas, no lítio em Portugal e a mediatização e tomada de posições criticas à volta desta temática?
R - Na minha opinião, a explicação pode ser dada em termos políticos e económicos. Políticos, porque ter um país da União Europeia com este tipo de recursos é importante. As empresas, por sua vez, revelam interesse em lançar projectos de prospecção que são cotados em bolsa e daí pode vir um financiamento. Isso não é errado. Uma empresa para prospectar necessita de financiamento. Ultimamente, tenho assistido à intenção de se fazerem grandes escavações a céu aberto para se abranger mais do que um filão e fico preocupado quando se diz que o impacto ambiental é o mesmo. Não é. O impacto ambiental causado por uma mina de pegmatito, que é a rocha que contém o lítio, é negligenciável, mas se se faz um imenso 'céu aberto', com duas outras ou três jazidas separadas que vão ser aproveitadas ao mesmo tempo, está-se a cortar rocha encaixante (rocha que envolve as jazidas). Este tipo de rocha coloca problemas, por ter conteúdos contaminantes. No caso de Montalegre, fala-se de uma escavação a ‘céu aberto’ com 800 metros de diâmetro, mas os filões que estão dentro dessa área continuam a ser muito pequenos e com o corte das rochas encaixantes vão encontrar-se sulfuretos que geram uma drenagem ácida. É por aqui que começa o impacto ambiental. Mas, para mim, grave é o que sucede em termos económicos: a certa altura, nesses 800 metros não se sabe se a exploração é de lítio ou se, por exemplo, aparece uma jazida de ouro ou de tântalo. O investidor, como tem direito a toda a escavação, pode dizer que o resto do que é extraído são subprodutos e se calhar está a explorar os subprodutos como produto e o lítio passa a ser subproduto. Quem é que vai fiscalizar este processo?

P - Na sua oponião, o poder político devia ser muito rigoroso numa eventual abertura de concurso para a extracção de lítio ?
P - Conhecimento existe, o problema está em o conhecimento chegar ao sítio onde deve chegar. Quem é que vai antes de a escavação estar feita, verificar que jazidas é que existem na área, o que é que vai ser extraído, qual o impacto ambiental que pode existir.? Eu não estou a ver que essa análise chegue, facilmente, onde deve.

P - Existem motivos para as populações, os movimentos ambientalistas e as autarquias da região estarem efectivamente preocupados com as consequências da prospecção e extracção de lítio?
R - Eu entendo que estas inquietações resultam do mediatismo que está a ser dado ao assunto. Há uma reacção excessiva porque existe informação excessiva.

P - De qualquer forma, a dimensão das escavações a 'céu aberto', tal como está previsto para Montalegre não parece ser tranquilizante.
R - Eu assisti a uma sessão de esclarecimento em Montalegre e senti que as pessoas não se sentiram muito esclarecidas. O que faltou da parte de quem defendia a exploração foi dizer que os filões que têm lítio não causam impacto ambiental, mas a rocha encaixante pode causar. Ora não disseram isso às pessoas.

P - Neste momento, não antevê viabilidade económica na exploração de lítio?
R - Em Portugal não existe nenhum mina a produzir lítio. Às vezes dá-se o exemplo de umas minas em Gonçalo, na Guarda, como estando a produzir lítio, mas isso não é verdade. Produzem misturas cerâmicas com lítio na constituição. Nunca houve em Portugal produção de lítio metálico ou sob a forma de carbonato. Neste momento há, de facto, três empresas muito empenhadas, mas não se observa uma generalização.

P - Atendendo à concentração de lítio, pode acontecer que as extracções seja também de outras substâncias?
R - Na Serra de Arga existem dois filões de minérios com lítio, têm extensão, têm largura e poderiam, de facto, produzir concentrados. Em Montalegre também haverá dois ou três filões nessas circunstâncias. O que ressalta é que se pretende algo de uma magnitude gigantesca. Já ninguém se contenta com dez milhões de toneladas. No caso de uma das minas de Montalegre falava-se em 35 milhões e para se conseguir essa quantidade tem de se fazer a tal escavação que já referi. Em Arga, nas zonas que eu considero que poderiam ter algum interesse, a distância entre duas povoações não chega para meter uma escavação a 'céu aberto' de 800 metros, como em Montalegre. O ministro do Ambiente quer que toda a fileira industrial até á produção do lítio para ser vendido fique em Portugal e isso é muito complicado.

P - Porquê?
R - Até agora, não ouvi ninguém falar em colocar no nosso país uma oficina de metalurgia e mais admirado fico quando ouço empresas a dizer que ao mesmo tempo que fazem a extracção montam a oficina.

P - São equipamentos de uma grande complexidade?
R - São investimentos de muitos e muitos milhões de euros por unidade extractiva.

P - O valor do lítio nos mercados das matérias-primas não é como o do ouro, por exemplo.
R - O lítio é uma matéria-prima que nem sequer é das mais caras. Pode-se admitir que o preço suba, mas nunca chegará a valores como o do ouro ou do tântalo que se usa nos telemóveis, nos semicondutores, nos acumuladores.

P - O professor Carlos Leal Gomes está nesta entrevista como geólogo. Colocando-se no papel de um decisor político, acha que é estratégico para um país ou para uma região suportar os efeitos negativos de uma exploração de lítio?
R - Vou responder socorrendo-me de casos do passado. O urânio foi estratégico para Portugal. Em determinada altura, chegámos a ser um dos maiores produtores da Europa ocidental. O Governo de então tomou uma opção estratégica: monopólio do Estado e a empresa chamava-se Junta de Energia Nuclear . Onde houvesse urânio, a Junta intervinha. Depois veio o 25 de Abril, manteve-se a estratégia e criou-se a Empresa Nacional de Urânios. Se a opção é o lítio, façam o mesmo que se fez com o urânio e encerram-se todas as questões subsequentes.

P - Mas entende que dado o processo de transição energética, o país deve arriscar?
R - O país arriscou com o urânio e o que é que sucedeu? O que é aconteceu com a Empresa Nacional de Urânio? Alguém ouve falar dela? Ao nível local, estas gigantescas escavações mineiras no nosso país têm consequências no funcionamento hidrogeológico dos maciços: as águas. As águas captadas pelas populações estão a 60/70 metros, as escavações para retirar rochas têm de se fazer também em profundidade. Em Montalegre, já disseram vão até aos 350 metros de profundidade. Isto significa baralhar completamente o sistema hidrogeológico daquele maciço. Outra situação que traz as populações sobressaltadas é o envio de mapas para as autarquias com as potenciais zonas de prospecção que muitas vezes correspondem a toda a área dos concelhos.

P - Uma dessas zonas, denominada Cruto abrange parte do Município de Braga e ainda Barcelos e Vila Verde.
R - Tenho para mim que as pessoas não olharam para a história mineira portuguesa. Havia no passado o Serviço de Fomento Mineiro e as áreas que eram colocadas a concurso por esta entidade tinham sido investigadas por técnicos que sabiam que não podiam colocar a concurso para prospecção, campos de produção agrícola ou zonas de habitação. Por isso eu digo que o Estado deve criar uma Empresa Nacional do Lítio.

P - Na sua opinião, deveria ser o Estado, antes de pensar em licenciar uma exploração mineira, a estudar o que é que deveria colocar a concurso?
R - Evidente. Esse Serviço de Fomento Mineiro só trabalhava em áreas cativas para o Estado. Neste momento, estão ser postos a concurso os concelhos, os municípios.

P - Do que foi explicado até agora, observa-se que para se retirar lítio em quantidade suficiente para ser comercializado é necessário proceder a grandes escavações.
R - Neste momento não se tira lítio em Portugal. Existem apenas projectos de prospecção em curso. O que se tira são materiais cerâmicos que contêm lítio e eu tenho dúvidas que se venha a extrair lítio em Portugal.

P - Mesmo em Montalegre?
R - O mais certo é produzirem-se concentrados que são vendidos para fora e depois processados. Mas mesmo para esses concentrados ainda não existe nenhuma oficina de tratamento, depois é necessária uma metalurgia que processe o lítio a partir dos concentrados.

P - Receia que as pressões do sector industrial mineiro se sobreponham aos interesses das populações?
R - Tudo isto vai resumir-se ao preço que a matéria-prima vale, à venda e á comercialização.

P - Tem-se apresentado o lítio praticamente como a única alternativa para os dispositivos electrónicos
R - Nós temos sempre um elemento que é o próximo da lista. Atcualmente é o lítio, a seguir virá outra substância.

P - Afirmou que “Portugal é um país rico com minas pobres”. Quer explicar?
R - Essa máxima não é da minha autoria, penso aliás que é apócrifo. Eu ouvi essa frase a primeira vez de um meu professor. O significado é que temos muitas ‘coisinhas’. Existe uma funcionalidade informática do Laboratório Nacional de Geologia e Energia que mostra a localização de jazidas. Se o utilizarem, verificam que não há praticamente uma freguesia no norte que não tenha uma mina mas sem qualquer viabilidade económica. Actualmente fala-se muito na extracção do lítio mas já tivemos algo idêntico com o tântalo, com o tungsténio no tempo da guerra, com o volfrâmio. O que está a suceder em relação ao lítio não é diferente do que sucedeu no passado com outros minérios. Eu não vejo estes processos com o mesmo empolgamento de outros. Se há algo de errado neste processo é a mediatização excessiva e a reacção excessiva que é desencadeada a jusante. Se houvesse Serviço de Fomento Mineiro, áreas cativas definidas com rigor a serem colocadas a concurso, uma empresa assumida pelo Governo de natureza pública ou estatal, mostrava-se ao país uma opção política e as pessoas entendiam tudo isto como um processo controlado, sendo que, a aceitação de uma ou outra intervenção extractiva estaria facilitada. Agora assim não. São empresas privadas que estão por trás deste processo.

P - O sector mineiro em Portugal já conheceu melhores dias. No passado houve explorações de referência.
R - Em linguagem mineira existem os 'World Class Deposit' (depósitos de classe mundial. Em Portugal temos as minas de Neves-Corvo. As da Panasqueira foram no passado e tivemos uma outra que poucas pessoas ainda se lembram e que era a maior mina de feldspato da Europa, em Paços de Ferreira. Na zona de Chaves tivemos também um World Class Deposit para material cerâmico. Um World Class Deposit é um depósito que consegue influenciar a cotação internacional do minério que dali for extraído. Com o lítio quer-se que de uma só vez apareçam vários World Class Deposit em Portugal.

P - Com toda esta discussão acalorada sobre a extracção de lítio, o meio académico português não deveria ser chamado a pronunciar-se?
R - Na minha opinião, devia ser o Laboratório Nacional de Geologia e Energia a pronunciar-se, porque tem competência técnica para tal. Só depois decidiriam se chamavam ou não as universidades. Eu temo que se saia da ideia fundamental, e que tem a ver com a gestão de uma matéria-prima, de um recurso mineral do país.

P - Caricaturando um pouco a situação, se um de nós quiser fazer uma prospeção de lítio pode apresentar um mapa á Direção Geral de Energia.
R - Se pagar a taxa de ocupação de área. Se apresentar boas condições apanha três ou quatro municípios para fazer a prospeção

P - Mas resulta de uma avaliação prévia das zonas?
R - Não houve nada! Não houve áreas cativas. Não houve um trabalho preparatório como sucedia no passado.

P - Mencionou a existência de uma grande exploração mineira de lítio na Austrália...
R - Repare que as empresas que andam por cá são australianas.

P - Mas atendendo ao facto de na Austrália se fazer a extracção de lítio em grande escala e na América do Sul também haver grandes explorações - ambas as regiões dominam os mercados quer em quantidade extractiva, quer nas cotações - faz sentido em Portugal todo este otimismo?
R - Portugal tem aquilo a que normalmente se designa como uma boa latitude.

P - Existe a questão estratégica da UE por ter no seu espaço um país com reservas de lítio.
R - Ter lítio em Portugal é politicamente importante. O lítio é falado pela sua utilização na indústria automóvel, nas telecomunicações e está, pela sua inusitada visibilidade, transformado num metal político.

P - Poderá existir algum estímulo da União Europeia para o desenvolvimento da exploração em Portugal?
R - Todo este movimento a que se está a assistir vai no sentido de assegurar financiamentos para a extracção e para a investigação científica. Mas depois temos um problema: a maior parte das nossas jazidas têm 0,5% de óxido de lítio.

P - Por isso são necessárias grandes áreas de extração para retirar valor económico?
R - Exactamente.

P - Na Europa, Portugal é o país com melhores condições para a extracção de lítio?
R - A nossa geologia é favorável. Portugal, Espanha, Sul de Inglaterra - mas os ingleses não deixam mexer - um pouco da Alemanha.

P - Apontando o exemplo de Montalegre, mesmo aí não consegue identificar nos próximos tempos uma concretização desta actividade?
R - Pelo que eu conheço dos jazigos, Montalegre é como aqui no Minho. Pelos recursos que existem, pelas condições em que ocorrem não observo qualquer vantagem. Se as pessoas estão dispostas a terem escavações com um diâmetro de 800 metros, não questionando o aparecimento de sulfuretos, não questionando o funcionamento hidrogeológico do maciço, não questionando onde vai ser depositada a carga enorme de material que sai do buraco que depois as águas das chuvas vão drenar, se nada disto for questionado, é natural que se consiga extrair minério durante uns anos. Mas quando se extinguirem os recursos? Vai escavar-se outro buraco ao lado, de igual dimensão? E depois outro?

P - Pode cometer-se um erro muito grave em termos ambientais?
R - Eu não sei se está a cometer-se um erro, acho é que existe um desequilíbrio enorme entre a informação que está consolidada e a informação de base puramente conjectural. Podem existir motivações, por exemplo ao nível do financiamento, para que isso suceda, não as discuto, mas do ponto de vista natural não consigo ver razões para esta euforia nas jazidas que eu conheço.

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