Associação Vida Independente alarga capacidade de resposta
2019-02-23 às 06h00
Reeleito recentemente para um novo mandato de provedor da Santa Casa da Misericórdia de Braga, Bernardo reis confirma a intenção de avançar com uma unidade de cuidados continuados. Em entrevista ao Correio do Minho e Rádio Antena Minho, alerta para o “drama” das listas de espera para entrada em lares de terceira idade e para a carência de lugares em creche por força da chegada a Braga de muitos imigrantes. O provedor, que começa a ver resultados da reocupação do complexo S. Marcos, vê com preocupação o período de transição que se seguirá ao fim da parceria público-privada do Hospital de Braga.
P - A instalação de um hotel no antigo Hospital de S. Marcos veio resolver alguns problemas de ocupação daquele espaço. Veio também alavancar a Santa Casa da Misericórdia de Braga em termos económicos?
R - A Santa Casa da Misericórdia de Braga foi fundada em 1513 pelo arcebispo D. Diogo de Sousa. Teve um percurso que se centrou, fundamentalmente, na área da Saúde com o Hospital de S. Marcos. Em 1974, a Misericórdia só tinha praticamente a valência da Saúde e foi intervencionada, o que causou problemas graves. A partir daí, a Misericórdia teve de se dirigir para a área das respostas sociais a idosos e crianças. Pelo Hospital de S. Marcos recebíamos uma renda apreciável que nos permitia fazer face às nossas dificuldades de natureza financeira. Com a devolução do Hospital de S. Marcos em 2011, a instituição ficou com seis edifícios devolutos e alguns deles degradados. O Estado não nos deu quaisquer indemnizações e caiu sobre nós o ónus muito complexo do que fazer com uma área apreciável de edifícios. O sector comercial do centro de Braga também ficou afectado.
P - Houve várias fases de reocupação dos edifícios. Uma unidade hoteleira ficou numa parte considerável. Com bons resultados?
R - O primeiro edifício a recuperar foi o Palácio do Raio com recurso a fundos comunitários. Foi um investimento de 4,2 milhões de euros.
P - Que ainda não é rentável para a Misericórdia...
R -Estavam previstos 45 mil visitantes em cinco anos, mas ao fim de três anos estamos já com 74 mil. Como conseguimos todos os objectivos, a partir de Janeiro deste ano já começámos a cobrar bilhetes de ingresso, o que vai permitir atenuar as despesas. Jamais aquele edifício irá dar lucro à instituição.
P - O Palácio do Raio veio desenvolver uma componente importante da actividade da Misericórdia de Braga: a Cultura e o Património.
R - Concordo. Digo com um certo gosto que somos hoje uma referência na Cultura em Braga. O Palácio do Raio é hoje uma sala de visitas por onde têm passado pessoas de todas as nacionalidades. Temos exposições, fazemos colóquios e seminários ligados a várias temáticas, assim como facultamos o edifício para actividades de outra natureza.
P - Mas não é jóia do Palácio do Raio que dá sustentabilidade à Santa Casa da Misericórdia...
R - Mesmo cobrando bilhetes, vamos ter um prejuízo significativo. Ao lado do Palácio do Raio temos o Hotel Vila Galé. O empresário Jorge Rebelo de Almeida, que é um homem com grande sensibilidade para a Cultura, quando soube que o edifício do Hospital de S. Marcos estava vago, fez uma visita, ficou encantado e empenhou-se em fazer um hotel de referência. Procurou fazer história em quase todos os espaços do hotel. Fez-se uma espécie de museu-hotel.
P - Quando foi anunciada a parceria da Misericórdia com o grupo Vila Galé, algumas pessoas questionaram a instalação de um hotel nesse edifício. O modelo que foi criado anulou essas dúvidas?
R - Para mim não houve dúvidas. Estive oito anos à frente da área do Património da União das Misericórdias Portuguesas. O hotel traduz um pouco a História da cidade de Braga. As pessoas ficam encantadas.
P - O hotel tem-se revelado uma aposta certa?
R - Sem dúvida. Para a próxima Semana Santa já está ocupado a 95%. No último fim de semana esteve lotado.Tem muitos hóspedes de Espanha e do Brasil. O hotel começou a dinamizar o comércio da zona que teve uma recessão enorme quando Hospital foi transferido está a recuperar e vai continuar a recuperar com as pessoas que vêm visitar o Palácio do Raio, com as que estão a ocupar o Hotel Vila Galé, mas também com aquelas que irão à clínica de referência na cidade de Braga que o Grupo Lusíadas quer instalara no edifício do ex-bloco operatório.
P - Com a cedência do direito de superfície para o hotel e o arrendamento do ex-bloco operatório, o complexo de S. Marcos deixou de ser uma fonte de despesa para a Misericórdia de Braga?
R - A partir de Janeiro, o hotel já é uma fonte de rendimento.
P - As novas receitas colocam a Misericórdia de Braga num novo ciclo de sustentabilidade económica?
R - Nós queremos juntar dinheiro. As receitas permitem-nos avançar para outros projectos como a unidade de cuidados continuados.
P - Para além do arrendamento do bloco operatório, está previsto outro tipo de parcerias com o Grupo Lusíadas, tendo em conta que um dos projectos da Misericórdia passa por uma unidade de cuidados continuados?
R - A unidade de cuidados continuados será exclusivamente nossa. Já existem nove mil camas no país mas em 2015 estavam previstas 15 mil.
P - Braga continua carente de cuidados continuados. O que é que tem impedido o financiamento de mais unidades? A Misericórdia tem andado há anos a lutar por esse financiamento.
R - Em Braga só existe uma unidade de cuidados continuados, a ‘Domus Fraternitas’, de Montariol. Nós temos um projecto concluído para o pavilhão sul do complexo S.?Marcos com 60 camas e também para demências e outras especialidades. O investimento era da ordem dos 11 milhões de euros e estávamos à espera que o programa Portugal 2020 contemplasse as instituições de solidariedade social. Como não contemplou a reabilitação de edifícios, vamos avançar com um edifício de raiz.
P - Mas para este também não têm apoios...
R - Mas como passámos a ter receitas, podemos fazer um empréstimo através do Instrumento Financeiro para a Reabilitação e Revitalização Urbanas (IFRRU) ou do Plano Juncker.
P -?Quando pensa ter essa unidade de cuidados continuados a funcionar?
R - Penso que vamos concretizá-la neste mandato.
P -E o que é que Misericórdia vai fazer do pavilhão sul?
R -?Aguardamos. Temos tido vários contactos. É uma área considerável de oito mil metros quadrados de edificado em sete andares.
P - Há perspectivas de reocupar o edifício a curto/médio prazo?
R - Eu penso que no decorrer deste mandato vamos resolver esse problema. Se não tivéssemos algum dinamismo e alguma sorte que procurámos, neste momento Braga estaria numa situação muito difícil. O hotel, o Palácio do Raio e agora a nova clínica vieram dar uma nova dinâmica ao centro histórico.
P -?Chegou a estar preocupado com alguma demora na resolução destes problemas? Foram sete anos de grande indefinição.
R - Foi uma luta grande, mas estou habituado a elas. Trabalhei numa empresa, a Companhia de Diamantes de Angola, que só tinha 50 mil quilómetros quadrados e 22 500 trabalhadores. Fui o seu último director geral. Saí de lá em 1977 corrido pelos ingleses. Passei momentos complicados, mas tive o prazer de conviver com pessoas como Agostinho?Neto, Savimbi ou Holden Roberto que me deram um certo traquejo. Passei também por outras partes do Mundo. Eu sou uma pessoa muito optimista e trabalhadora que sempre gostou de trabalhar para os outros.
P - É muito cauteloso em libertar informações quando está em negociações, mas o pavilhão sul poderá ter outras funções na área da Saúde?
R - Poderá ser utilizado parcialmente na área da Saúde, totalmente não. É um assunto que ainda está a ser visto.?Temos sido abordados para várias possibilidades, nas gostamos de fazer as coisas com um certo cuidado. Podíamos já ter ali uma residência universitária, mas entendemos que a mesma não se adequaria a um local onde está um hotel e que terá uma clínica. Podia causar uma certa perturbação num local onde temos também as nossas valências sociais. Mas vamos encontrar uma solução.
P - A Misericórdia de Braga nunca pensou em reentrar na área hospitalar?
R - Já não é possível, porque há o Hospital Central de Braga.
P - Faz parte do Conselho de Desenvolvimento do Hospital de Braga. Na sua opinião poderia ter havido um entendimento para prosseguir com a parceria público-privada?
R - Acho que sim. Acho que o fim da parceria público-privada no Hospital de Braga é um erro. Está a fazer um trabalho notável, é um hospital de referência em diversas especialidades. Acontece que o Hospital estava a ter custos muito elevados no tratamento do HIV, esclerose múltipla e hepatite C, que resultou num acréscimo de 33 milhões de euros que o Grupo José de Mello Saúde procurou recuperar.?O Tribunal Arbitral concedeu-lhe 17 milhões de euros só referentes ao HIV. O Grupo José de Mello Saúde estava a trabalhar muito bem e não estava a conseguir amortizar os investimentos que fez em equipamentos. O Hospital de Braga sofreu por preconceitos ideológicos que estão a atravessar o país e que afectam também as instituições do terceiro sector que representam 2,8% do produto nacional bruto. O sector social produz trabalho com mais humanismo e mais barato.
P -?Receia que seja colocado em causa algum aspecto assistencial com a entrada de novo do Hospital na esfera pública?
R - O único problema é a transição. Como sabem, também houve problemas complexos na transição do Hospital de S. Marcos para o Grupo José de Mello Saúde. Uma coisa que estava a correr bem, que estava a ter qualidade, não percebo por que é que se vai reverter.
P - No conselho de desenvolvimento estratégico do Hospital foram apanhados de surpresa com a decisão do Governo?
R - O que podia ter havido era diálogo. Se não fosse uma determinada ideologia que entende que deve ser tudo público... O grande economista e ministro Hernâni Lopes disse: “Ai de Portugal se no século XXI a economia social não cresce exponencialmente!”
P - Levantou o desafio do envelhecimento populacional no seu discurso de tomada de posse para este mandato. Falou da necessidade de adequar os serviços da Misericórdia de Braga a essa realidade, nomeadamente o de apoio domiciliário. O que está perspectivado?
R -?As listas de espera para lares de terceira idade são um drama. São enormes. Se tivéssemos mais dois lares estariam completamente cheios. O aumento da esperança média de vida vai obrigar a Misericórdia de Braga a procurar instalações de ordem diversa, a adaptar os seus lares a doenças como Alzheimer ou Parkinson. Por outro lado, o apoio domiciliário pode ser alterado para permitir que as famílias fiquem com os seus entes queridos em casa com assistência médica e de enfermagem.
P - Quando pensa que esse serviço possa ser alterado?
R - Estamos a pensar concentrar os serviços de centro de dia e apoio domiciliário que estão em S.?Tecla para junto do complexo S.?Marcos. Para criar sinergias, reduzir custos e aumentar a qualidade.
P - Essa nova abordagem dos centros de dia e do apoio domiciliário é algo que vai ser posto em prática em breve?
R - Vamos ver se a conseguimos pôr em prática neste mandato, no quadriénio 2019-2022.
P - Como pensa dar assistência médica e de enfermagem no apoio domiciliário quando as generalidade das Misericórdias e das IPSS se queixam que as compartipações do Estado para os serviços que já estão no terreno são exíguas?
R -?São exíguas, sim.
P - Vão ter de contratar pessoal especializado...
R - Temos de gerar receitas para contrabalançar as despesas nos apoios sociais às pessoas mais necessitadas. Que o Estado não comparticipa o suficiente é verdade.
P -?Nem todas as instituições sociais têm as possibilidades e o património que tem a Misericórdia de Braga.
R -?Essa observação é bem feita, porque as Misericórdias do interior do país estão a atravessar períodos muito complicados. Nós recebemos do Estado apenas 24,7% da totalidade das nossas receitas. O resto vamos buscá-las aos utentes: crianças e idosos. Muitas vezes, as famílias também comparticipam. As instituições particulares de solidariedade social que não sejam privadas, vivem dificuldades. Num lar, um utente custa em média entre 900 e 1 200 euros por mês. Em Espanha e noutros países as comparticipações são muito maiores.
P -?A União das Misericórdias Portuguesas não tem capacidade para reivindicar um apoio maior?
R - Reivindica e bem. A União das Misericórdias Portuguesas está muito bem representada há 12 anos pelo Dr. Manuel Lemos. Tem feito um trabalho extraordinário, é um homem sensível e com grandes contactos políticos.
P - A Santa Casa da Misericórdia de Braga também tem valências de apoio à infância. Aqui, a demografia joga ao contrário. A oferta que têm já começa a ser excedentária em relação às necessidades?
R -?Pelo contrário. A taxa de natalidade em Portugal é de 1, 3, mas devo dizer que as creches são insuficientes na cidade de Braga. Neste momento, há um fluxo enorme de imigrantes vindos do Brasil e da Venezuela, o que dá origem ao aumento da natalidade. Em Braga, há dificuldades em arranjar lugares nas creches.
P - No caso da Misericórdia de Braga, a solução passa por aumentar a oferta ou ainda não há condições?
R - Temos de ir por partes. Primeiro temos de resolver o problema do complexo de S.?Marcos. Isso é fundamental e felizmente tem corrido bem. Quando estiver resolvido, a nossa missão é sempre avançar com a resolução dos problemas da sociedade a bem das pessoas mais carenciadas. A nossa missão é praticar o bem e apoiar as pessoas que mais precisam.
P -?A Misericórdia de Braga ainda mantém uma cantina social criada há alguns anos, num tempo de grande crise económica e social. Ainda se justifica esta valência?
R - Nós criámos a primeira cantina social aqui em Braga, que ainda hoje está a funcionar na Rua Abade da Loureira. Na altura criámos um acordo de mecenato com o Hospital de Braga e a empresa Primavera Software. Mais tarde o Estado veio a financiar. Chegámos a ter três cantinas a funcionar, uma vez que estivemos ligados aos contratos locais de desenvolvimento social, dois dos quais funcionaram na zona da Veiga do?Penso. O contrato de terceira geração transitou para a cidade de Braga.?Na cantina da Rua Abade da Loureiro servimos nesta altura cerca de meia centena de refeições pagas pela nossa instituição, uma vez que o Estado só comparticipa em cerca de 30%.
P -?Essa é uma área em que o poder local poderia intervir?
R - Isto está ligado à maneira como se vier a ser feita a regionalização ou a descentralização administrativa. No interior há um apoio maior das autarquias às Misericórdias. No litoral, coloca-se o contrário, porque o poder autárquico tem as suas redes sociais e procuram desenvolver determinadas actividades que no interior podem ser feitas pelas Misericórdias.
Sou favorável à regionalização
P - Tem-se discutido nos últimos tempos em Portugal a descentralização de competências do poder central para as autarquias. Vê com bons olhos que as câmaras municipais possam ter um papel de financiador das instituições sociais? Uma delegação de competências do Estado central nesta área?
R - Sou favorável à regionalização. Defendi-a, anos atrás, quando foi feito o referendo. Foi pena não se ter feito nessa altura a regionalização, aproveitando as cinco Comissões de Coordenação Regional. Elas estavam bem estruturadas e eram um bom ponto de partida para a regionalização. Hoje têm vindo a ser desagregadas. Sou a favor da descentralização, mas não nas condições em que a se quer fazer. Em determinados sectores, as reformas devem ser feitas para muitos anos. Recentemente, na Finlândia, fez-se uma reforma na Educação. Sabem para quantos anos? Para 40.
Houve tempo em que a Segurança Social de Braga tinha o seu orçamento e geria-o. Hoje não. Para fazer uma pequena despesa tem de pedir autorização a Lisboa. Isto é inconcebível.
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